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Sarney, Caracas e o Senado viril

 

José Sarney tomou a si, afinal, responder a injúria continuada do governo de Chávez contra o Brasil. Não há precedentes da repetição de agressões contra o país concentrada no Senado a ser chamado de lacaio ou serviçal do imperialismo e das concertações de Washington. Não temos precedentes de uma escalada verbal que vai a órgão da soberania nacional exatamente responsável pela última chancela à nossa política externa.


É sombrio esse futuro inclusive diante do intento de Caracas, a querer reformular as diretrizes continentais frente à nossa efetiva política política nacional de desenvolvimento. Apoiado no poder de barganha que lhe conferem as reservas petrolíferas, Chávez apela aos recursos públicos para restabelecer, temporão, um populismo na América andina. Desaparece, neste horizonte, qualquer preocupação com a democracia como vértice necessário de toda nossa política de mudança.


Aí estão os resultados inquietantes desta nova Assembléia Constituinte da Venezuela, que estabelece a reeleição perpétua do Presidente; facilitários para qualquer nova reforma da Carta; submete os movimentos sociais ao corporativismo sindical; amarra toda a mídia à censura. O precedente vara a América andina e vem ao mesmo circuito de inquietações a idênticas Assembléias, em La Paz ou em Quito.


O que desaparece é essa noção essencial do Estado de Direito, como assentado num equilíbrio de poderes, num pluralismo da vontade geral, e num respeito básico às oposições. O que emana ao mesmo tempo desse quadro é uma República plebiscitária permanente, apoiada na mobilização mediática, na ditadura da hora e da veemência retórica sobre a opinião pública.


Vivemos, no último meio século, o contraponto dramático entre as ditaduras nascidas das matrizes militares, e no arrasto da guerra fria e do mundo partido entre Washington e Moscou. No quadro da hegemonia, a contraposição a Washington passa a se concentrar nessa frente internacional prioritária que imola o essencial da nossa identidade coletiva. O confronto com a hegemonia, tão mais complexo e aplastante que a dominação colonial, supõe o reforço das identidades internas dos países do Continente e o pluralismo das suas forças sociais. Não há denominadores globais de luta, que não sirvam, afinal, senão a protagonismos sediços como o de Chávez, desatento aos níveis de desenvolvimento continental e às diferenças emergentes que fazem a sua força. O contraste fundamental é com o Brasil que manifesta esta coincidência entre a expansão democrática, e os níveis inéditos de crescimento de renda per capita e generalização de seu bem estar.


Uma visão do pluralista das vontades gerais se evidencia hoje, também, no sul da América Latina na concertação chilena, a ser agora acompanhada pela segunda Chefe de Estado latino-americana, Cristina Kirchner, em Buenos Aires. De toda forma esse novo jogo de polaridades envelheceu as falácias dos acordos continentais, a partir de relíquias da pseudo união latino-americana, de que o Mercosul foi o primeiro rebento. O que não há, sobretudo, a repetir são as falácias desses denominadores e muito menos trazer-se a Venezuela para a reencenação de seus simulacros.


O Uruguai e o Paraguai já estão fora do primeiro Mercosul, voltando a uma relação bilateral dominante com os Estados Unidos. A predominância dos mercados supra-continentais do Pacífico comanda cada vez mais o Chile, e a dinâmica prometida das relações entre Cristina e Lula começam quase que em novo marco zero, e bilateral, das relações entre o Brasil e a Argentina. O ninho dessas relações entre os países mais adiantados da América Latina não têm porque acolher o intruso, mormente quando já diz a que vem e sem freios.


Lula tem esperado a reação direta do Senado à provocação de Chávez. O ex Presidente Sarney, que viveu a época áurea da esperança do Mercosul, começou agora a resposta. Sua diferença de escala infelizmente para nossos dias é a de que a democracia só está de um lado do ringue.


Jornal do Commercio (RJ) 9/11/2007