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Sexta-feira, Folha

 

Vou buscar na sabedoria bíblica palavras para escrever este artigo, feito com lágrimas.

Dizia o rei Salomão que há no mundo tempo para tudo. Há tempo de começar, há tempo de parar. Cheguei a esse dilema e não foi fácil a decisão.
 
Há 20 anos, meu querido amigo Octavio Frias de Oliveira me convidava para escrever esta coluna. Já se vai um quarto da minha vida. Sem faltar uma só semana, com o gosto de quem ama as palavras, estive presente. Foram anos de felicidade para mim, o gosto de escrever na Folha.

Octavio Frias, inúmeras vezes, ligou-me para elogiar o texto e dar-me notícia das pesquisas entre leitores. Eu ficava vaidoso e cheio de gratidão.
 
Depois de sua morte, tão sentida por mim, seus filhos, à frente o nosso talentoso diretor de Redação, Otávio Frias Filho, continuaram a amizade e minha colaboração.Deles sempre recebi o mesmo carinho e o mesmo tratamento.

Agora, neste semestre, completei 20 anos nesta "Sexta-feira, Folha". Minha última coluna, a da semana passada, foi comentário e até manchete de um grande jornal. Deu-me a convicção de que estava viva e lida. Ajudou-me na decisão de parar.

Ela já me rendeu oito livros, volumes publicados com as crônicas que aqui escrevi, e mais uma antologia, "Tempo de Pacotilha", que tiveram boa receptividade editorial.

Escrevi sobre todos os assuntos, nunca tratei de problemas pessoais, embora sempre exposto à guerra e à crueldade da luta política.
 
Nunca recebi sugestão ou restrição do jornal, exemplar no seu compromisso com a liberdade. Assim é a Folha, que deve ter recebido muitas pressões. Otávio Frias Filho convida-me a continuar a escrever na Folha onde e quando desejar. Assim farei.

Tratei do cotidiano —o cronista é o historiador do dia a dia—, de ideias, de filosofia, de política interna e de política externa, da visão do mundo presente e do futuro. Nenhum tema que me despertasse a atenção deixei passar.

A crônica é uma arte difícil. É literatura e é jornalismo. Pega-se o assunto, dá-se tudo para que o leitor dele não fuja e vá até o fim. A luta para afastar o lugar-comum, expulsar adjetivos e advérbios não convidados. Ser conciso, ser breve, buscar a leveza do texto e, às vezes, contar histórias.

De 1991 até agora, o mundo se transformou. Comecei com o fim das ideologias e termino com um presidente negro nos EUA, uma mulher na Presidência do Brasil, o iPad, o smartphone, o YouTube, os blogs, o Twitter e este ciclone que é o mundo da internet.

Minha despedida: diz-se que o século 21 será da China; eu penso: será do Brasil.
 
Encerro meus 20 anos de "Sexta-feira, Folha". Agradeço aos meus generosos leitores. Não gosto de dizer adeus; uma pausa.

Folha de São Paulo, 8/7/2011