Quando a situação de um país parece sem saída, é preciso buscá-la. Afastemos com firmeza quaisquer soluções à margem da Constituição.
Deixo escrito este artigo uma semana antes de sua publicação: passarei os próximos dias em Lisboa para coordenar um encontro internacional na Fundação Champalimaud sobre o futuro da ciência no decorrer do século. Tema ousado no qual posso arriscar apenas algumas hipóteses na área das “ciências” humanas.
Daí minha preocupação: a situação político-econômico-social do país muda tanto que o escrito hoje pode se tornar inadequado ou envelhecido em uma semana. Sem alternativa (a não ser calar sobre o que nos aflige), escrevi o que segue.
Economizemos palavras, a paralisação de decisões, tanto no Executivo quanto no Legislativo, e a sensação subsequente de anomia sufocam todos. Ainda agora, o governo, em confissão pública de incapacidade de prever e agir, bloqueou R$ 10 bilhões de despesas correntes. Gesto extremo, mas de pouca eficácia.
Estimativas mostram que este ano o país terá um déficit primário de cerca de 1% do PIB, maior do que o do ano passado, um déficit que se aproxima de 10% do PIB, quando contabilizado o pagamento de juros! Para evitar que a dívida pública continue a crescer como bola de neve, deveríamos passar a ter um superávit de 2,5% ao longo dos próximos anos, com a economia crescendo pelo menos 2% e o juro real caindo a 4%.
Essa mudança parece cada vez mais improvável no quadro político atual. Para evitar a perda de controle sobre a evolução da economia, são urgentes atos e gestos que abram um horizonte de esperança e devolvam a confiança perdida.
Como fazer isso, se maior do que a crise econômica é a falta de credibilidade e respeito?
Há uma crise político-moral. Desnecessário repetir os fatos que nos levaram a tal situação: basta a prisão, com anuência do Senado, do líder do governo, senador em pleno exercício do mandato, para exemplificar a gravidade extrema do momento vivido pelo país.
Poucos ousaram levantar a questão das imunidades ou puseram em dúvida o “flagrante continuado”. Não porque faltassem argumentos, mas porque faltavam condições morais para tanto. A mera suspeita de malfeitos políticos gera imediatamente a sensação de que os acusados são culpados e, pior, nos casos da Lava-Jato, em geral são mesmo.
Existe nas pessoas a sensação do “não dá mais”. Há indícios veementes, quando não provas, de responsabilidade criminal de um número crescente de figuras que ocupam altas posições nas instituições políticas e no mundo empresarial, parte delas sendo pessoas próximas ao antecessor da atual mandatária.
Embora não pareça haver envolvimento pessoal na montagem e gestão da organização criminosa que tomou de assalto o Estado brasileiro, Dilma Rousseff tem responsabilidade política pelo que aí está, quando mais não for porque ocupa hoje a Presidência da República.
Verificado isso, o que fazer? Falemos português claro: ninguém sairá por si mesmo de tamanha encrenca, nem governo, nem oposição, nem empresários, nem muito menos o povo, que no final paga o custo da inflação e do desemprego provocados pelos desatinos dos que estão mandando.
A responsabilidade pelas crises é do lulopetismo, como há anos venho denunciando. Basta ler meu livro “A miséria da política” para ver há quanto tempo. E não estou só nesta posição, há muitíssimos outros que desde o início viram com clareza o que aconteceria.
Trata-se agora de, ao reduzir os malefícios do lulopetismo, restabelecer a crença na democracia, dar prevalência à Constituição e criar uma nova situação de poder. Como? Há alternativas. A mais fácil seria a própria presidente pedir um crédito de confiança à nação, sendo humilde e verdadeira, reconhecendo que errou, que desde o primeiro dia de sua reeleição (sabe-se a que custo...) deveria ter apelado à coesão nacional, nomeado um Ministério isento de acusações de corrupção, formado por gente competente, respaldada politicamente pela nação e não apenas por partidos, pondo fim ao execrável e falso “nós” (os bons) e “eles” (os malditos). Não o fez. Terá condições ainda de fazê-lo? Duvido, mas não fecho as portas à possibilidade.
Quando a situação de um país parece sem saída, é preciso buscá-la. Afastemos com firmeza, por indesejáveis, quaisquer soluções à margem da Constituição. Há o caminho da renúncia (o menos custoso), não por gesto de grandeza, mas ditada pelas circunstâncias de que, paralisado o sistema decisório, chegará o momento em que ministros mais responsáveis e parte das forças políticas que ainda sustentam o governo poderão adverti-la de que não dá mais.
Se quiserem saber minha torcida íntima (e não política), tomara que a própria presidente ainda encontre forças para reconstruir seu papel na História. Mas esta é impiedosa quando os atores ficam aquém do que o momento exige.
Há outros caminhos. Nem preciso voltar a falar de impeachment, dos cuidados que ele requer. Essa medida não deve ser objeto de desejo, mas pode brotar de investigações e fatos. Que há este caminho há, se não agora, mais à frente, pois é fragilíssima a aliança de conveniências que ora se vê entre a presidência da Câmara e a Presidência da República. Iniciado o impeachment, ou a presidente demonstra que ainda tem forças para se recuperar, ou se dá a substituição dentro da lei. Isso sem falar que o Tribunal Superior Eleitoral pode vir a esbarrar em fatos incontornáveis que levem à convocação de eleições antecipadas.
Mas este não é o ponto central deste artigo. Seja qual for o caminho de superação do impasse, com ou sem a presidente, precisamos promover a coesão nacional, incluindo todos aqueles dispostos a fazer as mudanças necessárias. Primeiro, no sistema partidário-eleitoral. Segundo nas contas públicas, inclusive as da Previdência.
Terceiro, na burocracia, para fazer valer a impessoalidade e o profissionalismo, eliminando o sectarismo ideológico e a incompetência. E por aí segue, com uma condicionante geral: nada a preço de silenciar a Justiça e entorpecer a Lava-Jato e outras investigações em curso.
Não é o momento de pensar no “meu” interesse, nem no partidário, mas, sim, no do povo que está perdendo emprego e renda, e nos interesses do Brasil, que está perdendo lugar no mapa dos países com futuro promissor. O Brasil espera grandeza.