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A tormenta e o tormento

 

E como explicar ao jornalista estrangeiro recém-chegado para cobrir a crise que os dois personagens xingando-se nos noticiários eram íntimos até outro dia, a ponto de se reunirem clandestinamente na calada da noite, num porão, para trocarem confidências pouco republicanas. E que um deles — o que está chamando o outro de “líder da mais perigosa organização criminosa” — é um poderoso empresário corrupto e corruptor. E que o segundo, que replicou classificando o autor da ofensa de “o bandido notório de maior sucesso da História”, é ninguém menos que o presidente da República. Tom Jobim tinha razão: o Brasil não é para principiantes e muito menos para viajantes. Para estes, está cada vez mais difícil entender um país em que um tribunal superior absolve por excesso de provas, em que a primeira-dama de um estado falido conseguiu gastar R$ 11 milhões em joias e em que o chefe do governo federal e nove de seus ministros estão sendo investigados por crimes que vão de corrupção ativa e passiva até lavagem de dinheiro, falsidade ideológica ou fraude em licitações. No Legislativo, por sua vez, já foram abertos inquéritos contra 29 senadores e 42 deputados federais, incluindo os presidentes do Senado e da Câmara. Sem falar num ministro do Tribunal de Contas da União, um procurador, três governadores e 24 outros políticos. Só com base nas delações de executivos de uma empreiteira, a Procuradoria-Geral da República encaminhou ao Supremo Tribunal Federal 83 inquéritos. A corrupção aqui é democrática, pois contempla outros partidos: um de oposição e o outro que ainda não sabe se será, está pensando. Em ambos, dirigentes importantes estão até aqui de denúncias — um foi presidente e o outro tentou ser.

Em resposta a essas revelações que estarrecem o país, surgiu um festival de desmentidos e justificativas cínicas e incoerentes, a começar pelo próprio presidente, que aceitou receber quem chama de “bandido” em casa, isso depois de viajar de graça em seu avião e participar de sua festa de casamento. Porém, as contradições e incoerências não acontecem por acaso, elas têm intenção e lógica: estão todas a serviço de um esquema criminoso que, através de sofisticado mecanismo de suborno, infiltrou-se em todas as instâncias do poder, fazendo do Brasil a quarta nação mais corrupta do mundo. 

E ainda pode piorar. Se o colega permanecer mais algum tempo, talvez assista ao mais dramático capítulo dessa deplorável novela. Com a prometida denúncia do procurador-geral, aguarda-se uma tormenta na política e um verdadeiro tormento para o presidente.

O Globo, 21/06/2017