MEUS LEITORES estão me achando muito sisudo.Vou atendê-los com o menu do Obama no almoço de posse, esquecido do verdadeiro, que era "Bush assado ao molho de ferrugem" e a crise que varre o mundo.Obama, com sua fantástica exposição midiática, despertou todas as curiosidades, até o apetite de milhões de pessoas na exposição glamourosa das baixelas, em que a presença de seu adversário McCain foi ofuscada pelo primeiro prato que foi servido, "cozido de frutos do mar", acompanhado de um vinho californiano, Duckhorn Vineyards 2007, de cepas francesas de sauvignon. Depois, uma composição de aves americanas (faisão e pato), servido com um chutney (molho picante) de cerejas amargas e batata-doce com melado, acompanhado de Goldeneye 2005, um pinot noir. De sobremesa, um bolo de maçã e canela com glacê doce e champanhe da Califórnia (horrível!).
Pois bem, o show que a mídia dava a essa comida coincidiu com a leitura de um artigo de Gilberto Vasconcelos na nossa "Revista da Academia Brasileira de Letras", lembrando o livro de um esquecido escritor mineiro, Eduardo Frieiro, "Feijão, Angu e Couve", coisas que Obama não conhece.
Câmara Cascudo dizia que uma boa feijoada era mais importante do que a posse da Lua. Quando olhei aqueles peixes, vi que o Obama precisa imediatamente de uma cozinheira do Nordeste, especialista em buchada de bode, arroz maria-isabel, frito de galinha-d'angola ou calango assado na brasa.
Ouvi uma vez de Roberto Campos que povo desenvolvido nada tem a ver com renda per capita, e sim com culinária. Muitos brasileiros a estudaram. Recordo um, Silva Melo, na Academia Brasileira de Letras, de fraque, monóculo, alto e empertigado, com uma grande obra sobre a alimentação, chegando mesmo a exagerar, publicando um ensaio da "Psicologia do Papel Higiênico", explicando como suas marcas refletiam os efeitos da alimentação. Não chegaremos a tanto sobre o banquete de Obama, nem sobre a pregação de Silva Melo de que devíamos todos usar "vaso turco", pela sua interação com a comida e suas desdobradas formas.
O diabo é que me deu vontade de escrever sobre esse almoço e seu cardápio, porque é demais que ele seja destaque e chame tanta atenção quanto o menu de verdade que o presidente herda. Fala-se que uma das desgraças do nosso presente é a perda do paladar, um dos males que as crianças possuem na comida dos hambúrgueres e batatas fritas.
O que eu quero mesmo dizer é que comida boa, como diz um ditado nordestino, é a que faz bolo. E a do almoço do Obama parece que não está a altura desse objetivos.
Folha de Pernambuco (PE) 30/01/2009