Faz tempo, em 1997, escrevi uma crônica sobre um caso que agora se repete em escala mundial.
"Tinha de acabar assim: Em Minas, uma virgem ofereceu-se por R$ 350 preço até exagerado, pois em Minas e em outras paragens, há virgens que se dão de graça, por amor à arte.
Afinal, há discreto comércio de rins, fígados, olhos, pâncreas, piloro (não tenho certeza se vendem piloros no mercado, mas um dia chegaremos lá). Nada de admirar que uma donzela mineira, e idônea ainda por cima, ofereça sua intacta membrana a potenciais consumidores de um artigo que tradicionalmente tem estoques regularizados.
Trata-se, pois de uma virgem idônea, de um hímen idôneo, o que leva à suposição de que existam virgens e himens não idôneos. Apresentado o produto, analisemos o preço. A moça não fez qualquer tipo de pesquisa mercadológica nem consultou o Procon, o Banco Central, o Ministério da Fazenda ou Receita Federal. Chegou ao preço por conta e necessidades próprias.
Sabe-se, em sã doutrina, que o preço é formado pelos custos da matéria-prima, da mão de obra, dos transportes e embalagens, dos impostos e da taxa de lucro que compense o investimento global. A moça de Minas esnobou esta cadeia de fatores e se fixou naquilo que os economistas de boa cepa denominam de 'cifra final'. Evidente que se trata de artigo não tabelado, isento de taxas e impostos. E o que é mais importante ainda não faz parte da cesta básica o que garante que o preço do seu hímen não terá influência no cálculo da inflação do mês em curso.
Há gosto para tudo, diria Machado de Assis. Inclusive para cobrar dos jornais mais detalhes sobre a transação: a moça aceita cheque pré-datado, facilita em duas ou três suaves prestações mensais, aceita cartão de crédito? Enfim, falando em nome dos interessados, não no hímen da moça, mas na integridade da informação, exige-se que esses dados sejam honestamente apurados e depois serenamente analisados pelos formadores de opinião.
Que se ouçam as classes dirigentes, ouça-se o clero, as lideranças do Congresso e sindicalistas. Que o governo, sem mais tardança, congele o preço do produto antes que os açambarcadores, os tubarões da economia popular, ganhem novo e surpreendente pretexto para suas ganâncias e seus desenfreados apetites."
O tempo passou e temos agora uma virgem de Santa Catarina oferecendo sua virgindade (ela não garante um hímen idôneo, mas foi examinada por um ginecologista). Na internet se chama Catarina, na realidade, seu nome é Ingrid e seu preço está em aberto: no fundo, é um leilão para ver quem dá mais.
Os últimos lances já chegam a US$ 255 mil e há interessados até na Indonésia. Há um corretor nisso tudo que pensou até num detalhe importante. Para evitar processos de prostituição existentes em diversos países, o bem só poderá ser consumido dentro de um avião, em espaço aéreo internacional.
Uma boa dica para bicheiros e para o pessoal da Ação Penal 470 fazerem suas operações sem infringir qualquer legislação terrestre embora o douto ministro Joaquim Barbosa possa invocar precedentes e jurisprudência que certamente serão negados pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Resta saber quais os clientes-alvo de tão precioso produto seja ele idôneo ou não. Em apressada análise de marketing, podemos descartar dos consumidores de hímen as crianças de até dez anos e os idosos de mais de 90 admitidas as nobilíssimas exceções tanto numa como noutra ponta da corda etária.
Para diversificar: o russo Alexander Stepanov, de 23 anos, também resolveu vender sua virgindade. Já tem um lance de US$ 1.300, ainda é pouco. Detalhe: o consumidor é obrigado a usar camisinha, é proibido de realizar fetiches agressivos ou usar brinquedos sexuais. Beijar na boca nem pensar.
O rapaz garante que não é homossexual nem homofóbico. Pessoalmente, não estou interessado em nenhum dos dois casos.
Como em outras ocasiões, espero que os preços baixem, haja liquidações pela proximidade do Natal e que a oferta seja mais abundante e próxima.
Folha de S. Paulo, 19/10/2012