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Arnaldo Niskier: por uma LDB mais nova

 

Marcelo Bebiano

Há 50 anos no magistério, o professor Arnaldo Niskier, 71 anos, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), da qual foi presidente por dois mandatos, faz uma análise crítica da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394, de 1996, propondo, inclusive, a sua substituição por uma nova.

Observações que o professor Niskier reuniu em um livro "10 anos de LDB – uma visão crítica", que será lançado nesta quarta-feira, dia 30, a partir das 17 horas, na sede do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), na Av. Augusto Severo, 8, 12º andar, na Glória.

No texto, uma das principais críticas é quanto a LDB ter deixado muitos espaços abertos para serem regulamentados, o que abriu espaço para os 14 decretos que foram incluídos na lei. Presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, ex-secretário estadual de Educação, em 2006, e de Cultura, nos anos de 2004 e 2005, Arnaldo Niskier, critica a falta de prioridade que a Educação recebe no país.

Ele cita o exemplo do Japão, onde esteve, recentemente, por três semanas e verificou a importância concedida ao ensino. "Um professor de educação básica recebe entre R$6mil e R$7mil no Japão. É um dos profissionais mais respeitados e valorizados. Daí, o chamado ‘milagre japonês". Eis a entrevista com o professor Arnaldo Niskier:

Como o senhor vê o desempenho do sistema educacional do país como um todo, nos últimos anos?

Arnaldo Niskier - Não sou eu quem afirma, mas o presidente Lula. Ele disse recentemente que considera muito ruim o sistema educacional público do país e que faria todos os esforços para modificar essa situação. De fato, o presidente tem razão. Nunca foi pior. Há buracos imensos no atendimento à educação infantil. Estamos com um ensino fundamental completamente sacrificado pela ausência de professores, pela má formação do magistério e pela própria decisão do Ministério da Educação de privilegiar o ensino superior, ao invés de investir maciçamente no ensino básico como fazem as nações desenvolvidas. O Brasil inverte tudo. E a conseqüência não poderia ser positiva. O ensino superior estagnou. Ficou em cinco milhões de estudantes e não vai acontecer nada de expressivo tão cedo pela preocupação em consertar as deficiências da educação pública superior, o que considero ótimo. Mas é preciso levar em conta que faltam recursos para isso. As escolas superiores privadas cumprem o seu papel, mas chegaram ao limite e hoje o que vai definir a ampliação da ocupação das vagas existentes, que estão sobrando, será a capacidade de o aluno pagar. Quem fizer um curso superior e quiser ter muitos alunos tem que cobrar no máximo R$280. Esse número é resultante de um estudo feito em São Paulo, com muita seriedade e cuidado. Na verdade, não há mais clientela para uma mensalidade acima desse valor. Aqueles que podem pagar R$2 mil num curso de Medicina foram exauridos. Agora, a classe média baixa, que ficou de fora da universidade, só entrará se a mensalidade baixar para R$280, ou se o governo conseguir ampliar os recursos destinados ao ProUni. Uma idéia nobre, saudável, baseada na troca de impostos por vagas nas escolas. Mas cada fase da educação tem uma sucessão de problemas. Se juntar tudo isso surge um problemão. Um problema atômico na educação. Estou um pouco descrente, embora seja um otimista nato. Digo isso em razão da falta de objetividade nas providências. Até as promessas de 42 projetos no PAC da Educação têm que ser vistas com cuidado. Tenho dúvidas se o governo terá os R$8 bilhões previstos para os quatro anos de investimentos nesses 42 projetos. Não acredito. Porém, desejo que ocorra.

E o ensino estadual. Qual a sua opinião sobre a gestão de seu sucessor, professor Nelson Maculan Filho?

O professor Nelson Maculan Filho é um cientista de primeira linha. Um pesquisador reconhecido internacionalmente. Ele como matemático tem um nome que eu gostaria de ter. Um excelente currículo. No entanto, não faz milagres. E está rigorosamente sem recursos. E se faltam 20 mil professores no sistema não é por culpa do professor Maculan. Ele tem vontade de colocar essas pessoas em sala de aula fazendo imediatamente o concurso. O secretário quer pagar imediatamente o piso salarial. Porém, os problemas são graves. Ele convoca 1.400 professores e só aparecem menos da metade. Os outros não estão interessados no emprego em razão do piso salarial do estado ser de R$431. Acho que pouquíssimos estados nordestinos têm tão pouco apreço, em termos gerais, pela figura do professor. É evidente que esse profissional precisa ser melhor capacitado. No entanto, é urgente que seja estimulado através de um salário digno. É isso que está faltando.

Que contribuições a LDB ofereceu em seus 10 anos de existência para a melhoria da educação brasileira?

Destaco um aspecto fundamental da LDB que foi ter trazido, até por inspiração do antigo Conselho Federal de Educação, o ensino a distância para ser utilizado de uma forma devida. Hoje, o Brasil tem mais de um milhão de alunos freqüentando cursos a distância. Uma modalidade antiga, mas ao mesmo tempo revolucionária. Então, se tiver que elogiar a LDB, faço neste aspecto. Ao criticar, pelo fato dela ter virado um remendo. A LDB nesses 10 anos recebeu 14 decretos modificando o seu conteúdo, sobretudo no ensino médio. Na gestão do ex-ministro da Educação, Paulo Renato Souza, virou uma barafunda completa. Ele conseguiu tumultuar ainda mais o ensino médio.

E existe uma solução para isso?

Sim. É preciso criar uma lei de consolidação da LDB. Uma lei única com todos esses conceitos e mais alguns que a modernidade exige.

O senhor considera que neste caso deveria ser criada uma nova LDB?

Sim. Pode ser uma nova, bem feita, ouvindo-se o Conselho Nacional de Educação, as associações de professores e outros segmentos da sociedade num amplo debate. E há tempo para isso. Acredito que o ano que vem será decisivo para o atual governo. Se eles não consertarem a educação e criarem rumos corretos, ela terminará o segundo mandato Lula de maneira trágica.

Alguns educadores criticam o fato da LDB ter deixado muitos espaços abertos para serem regulamentados depois, inclusive no que se refere à educação profissional. O sr. vê nisso um problema?

Isso é um problema nacional. Vem desde as Constituições Federais. Sempre a Constituição pede, e as últimas particularmente, que existam 200 leis complementares. Hoje a nossa LDB 9.394, de 1996, exigiria uma lei complementar porque ela não é auto-aplicável. Falamos de ensino profissional e esse é um dos aspectos. Mas, existem outros. A própria utilização efetiva da educação a distância pede outros mecanismos. A entrada em cena da TV Digital vai exigir outros mecanismos. Haverá um canal exclusivo para a educação. Posso antecipar que será o canal 64. Uma emissora exclusiva de educação.

Qual será a programação? Existe expectativa de início?

Um canal diferente dos outros que não tem nenhum compromisso com a educação brasileira, com o Plano Nacional de Educação. Ainda não existem muitas informações, mas não demorará. Será um investimento alto. O presidente Lula disse que deseja uma televisão pública com recursos e com uma programação à altura das necessidades da educação brasileira. Um atendimento às necessidades da educação. Algo diferente do que é visto atualmente. Na televisão observamos violência, sexo para crianças de quatro, cinco anos. Fala-se que a culpa é dos pais que deveriam desligar o aparelho. Acho que a culpa é de todo o mundo que está permitindo que isso aconteça. Temos uma realidade nacional, a valorização do nosso folclore. Todos os recursos culturais e educacionais que possuímos... Seria fantástico se eles fossem utilizados de maneira inteligente. Infelizmente, as televisões comerciais preferem comprar essas porcarias do exterior em razão de serem mais baratas. No entanto, acho que são caríssimas porque estão deformando a mente das crianças na idade preciosa em que apreendem conhecimentos que servirão para toda a vida.

Qual a sua opinião sobre o projeto do senador e ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque, aprovado na Comissão de Educação do Senado Federal, no último dia 9, que muda a LDB e prevê atendimento odontológico nas escolas e incentivo à capacitação de docentes da educação básica?

O ex-ministro da Educação, Cristovam Buarque, é uma das pessoas que mais admiro nesse país. É coerente. Ele foi candidato à presidência da República e recebeu milhões de votos usando na campanha um único e fundamental assunto: a educação. E ele sabe do que está falando, conhece muito bem o tema. É professor, foi ministro da Educação, reitor da Universidade de Brasília, é senador e foi governador de Brasília. É um homem presente em congressos internacionais. Em princípio, confio muito no que ele afirma. Agora, é claro que ele está falando em atendimento odontológico, uma necessidade básica. Mas porque não incluir também uma assistência oftalmológica? Muitas crianças não aprendem a ler, escrever e contar porque não enxergam nada ou pouca coisa. O Brasil deveria caminhar naquilo que parece uma coisa velha: uma ligação muito estreita entre educação e saúde. Esses elementos devem ser indissociáveis. Se não, a falta de saúde vai prejudicar a qualidade do aprendizado.

Por que a LDB não instituiu um Sistema Nacional de Educação, uma reivindicação da década de 30, e que consta do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova? Quais as conseqüências disso?

São problemas brasileiros. Perdemos chances repetidamente. Eram sonhos extraordinários. Fala-se muito em qualidade no Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, em um professor bem remunerado. Tudo isso que foi um sonho de alguns educadores e que na prática não se tornou realidade até hoje. Diria que se nós fizermos um Manifesto dos Pioneiros da Escola do Futuro muita coisa que foi escrita na década de 30 terá que ser novamente apresentada porque não houve, na prática, nada que respeitasse aqueles postulados. As conseqüências nós acompanhamos hoje, com os gigantescos problemas que temos devido à má formação dos professores e da sociedade como um todo.

Qual a participação da LDB na universalização da educação básica e na integração entre a educação básica e a educação profissional?

Há dispositivos muito claros sobre o ensino fundamental e o médio. Em relação ao ensino médio, indo de trás para adiante, há um caos completo instalado, pois depois da LDB muitas portarias e decretos criaram uma confusão completa, que atualmente continua. Não se sabe se a educação média é terminal ou profissionalizante. Nem mesmo a duração é clara. Dois, três ou quatro anos. É uma grande confusão. Atribuo isso à inquietação do ex-ministro Paulo Renato com relação a esses assuntos. Mas a lei não pode ser culpada de nada. Ela é um instrumento frio. É necessário cobrar a aplicação. Então, os sistemas precisariam estar mais definidos para resolver os problemas da qualidade da educação brasileira. O grande drama do ensino nacional é a qualidade. E comparo a nossa educação com o que vi no Japão durante três semanas. Estudei o ensino japonês e verifiquei o poder da disciplina. Tenho a impressão que a nossa educação está muito indisciplinada no mau sentido. Há uma espécie de vale tudo nas relações entre alunos e professores. E isso não é bom.

Quais lições o Brasil poderia tirar do modelo educacional japonês?

O Japão leva as escolas a sério. Em primeiro lugar, o ensino é todo em tempo integral. Em segundo lugar, paga excepcionalmente bem aos professores. Um docente de ensino fundamental começa com um salário de US$3 mil, equivalente a cerca de R$6 mil. Quando chega ao segundo segmento vai para US$3,5 mil, ou seja, R$7 mil. E no ensino médio, US$3,8, quase R$8mil. Os professores são profissionais valorizados e os que recebem um dos maiores salários. Isso explica o tal "milagre japonês". É uma decisão simples: priorizar a educação. Quanto tempo vai demorar para acontecer isso no Brasil? Só Deus sabe.

O programa de governo do presidente Lula para o segundo mandato previa a realização de uma Conferência Nacional de Educação que avaliasse as determinações da LDB. Em sua avaliação, é o momento de avaliar essa legislação?

Podia ser, mas uma conferência apenas não resolve nada. Ainda mais quando é muito grande e tem diversos oradores e pouca participação do público. O que resolve mesmo, com a experiência que tenho de oito anos no Conselho Federal de Educação e no Conselho Nacional de Educação, é dar a esses órgãos normativos da Educação brasileira a autoridades que lhes foi subtraída para que eles possam reunir em diversas conferências, e não apenas em uma, e recolher a vontade do que pretende o magistério e do que pretendem os educadores de uma forma geral para o Brasil de amanhã.

É viável a proposta de unificação da Língua Portuguesa que consta do Acordo Ortográfico, de 1990, e que não saiu do papel até hoje?

Não. Uma decisão muito difícil porque o próprio acordo previa, em 1990, que com a adesão de três países já seria possível implementar o acordo. Isso obrigaria os demais a seguir. Então, os três países que fizeram esse acordo em primeiro lugar foram Brasil, Portugal e Cabo Verde. Mas ninguém teve a coragem de implementar até porque pouco tempo depois Portugal retirou o apoio. E as demais nações do mundo lusófono, Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor Leste precisam que os respectivos parlamentos aprovem o acordo. Infelizmente, parece que politicamente isto está longe de acontecer.

Como analisa a atuação do ministro da Educação, Fernando Haddad?

Acho o ministro Fernando Haddad um profissional competente. Ele tem feito todo o possível para resolver a situação. É um ministro forte por que priva da intimidade do presidente da República e, na medida das possibilidades, como aconteceu agora nos 42 projetos para o chamado PAC da educação, apresenta projetos que na maioria dos casos poderíamos avaliar como muito bons. No entanto, não entendo a razão do PAC reduzir o que será investido na educação nacional.

Qual a sua análise sobre o PAC da Educação?

O governo aplicou no ano passado 4% do Produto Interno Bruto (PIB) em Educação. Agora criou um projeto enorme que é o PAC da Educação e os recursos diminuíram. Eram 4% no ano passado e para esse ano estão previstos 3,8%. Então, se exige mais e oferece menos dinheiro para a educação. Não entendo essa lógica.

Folha Dirigida (RJ) 29/05/2007

04/06/2007 - Atualizada em 03/06/2007