Documentário traz a última entrevista de Celso Furtado
Guilherme Botelho
No momento em que o Rio parece retroceder no tempo e sucumbe a uma epidemia de dengue, é bom assistir ao documentário O longo amanhecer de José Mariani, que estréia na próxima sexta, dia 4. O filme, que retrata a vida do economista Celso Furtado, um dos maiores pensadores brasileiros do século 20, também monta um instigante painel sobre o próprio Brasil e sua recente história, além, é claro, de discutir a atualidade do pensamento do economista.
"Mas, afinal, quem é que manda neste país? Quem é que permite taxas de juros tão elevadas e uma margem de crescimento tão pequena?", disse em suas reflexões iniciais. De início arredio, Furtado demorou a aceitar o pedido do diretor para conceder a entrevista.
– O primeiro contato com o Celso foi por telefone – conta o diretor do filme. – Mas como ele disse que estava sem tempo, entre o Rio e Paris, pediu para esperar ele voltar. Aproveitei esse tempo de espera para pesquisar mais sobre o tema e procurar outros personagens.
Mariani conta que sentiu muito a morte do economista, principalmente por não poder mostrar o resultado da gravação ao protagonista. Para o diretor isso acabou influenciando na montagem final, pois começou a perceber na entrevista um certo sentido de despedida, de balanço de vida.
O documentário conta também com os depoimentos de Antonio Barros de Castro, Francisco de Oliveira, José Israel Vargas, João Manuel Cardoso de Melo, Maria da Conceição Tavares, Osvaldo Sunkel e Ricardo Bielschowsky, que também atuou como consultor no documentário.
– José Mariani entrou em contato comigo depois de ler meu livro, Pensamento Econômico Brasileiro - o Ciclo Ideológico do Desenvolvimento – conta o professor Ricardo Bielschowsky, que trabalha na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL).
Subdesenvolvimento
Uma das maiores contribuições do pensador foi mostrar que a estrutura brasileira, gerada no subdesenvolvimento, ainda persiste. A economia do país cresce, mas a enorme exclusão social cresce junto. É como ele mesmo diz no filme: "o grande dilema brasileiro é en tender porque isso é assim".
Para Furtado, o subdesenvolvimento existe como uma forma de organização social dentro do sistema capitalista, ou seja, ele não é uma etapa para se chegar ao desenvolvimento. Os países emergentes tiveram um processo de industrialização indireto, conseqüência do desenvolvimento dos países industrializados. No Brasil especificamente, foi criada uma industrialização dependente dos países já desenvolvidos.
Apesar de formado em direito pela Universidade Federal do Rio Janeiro (UFRJ), foi no mundo acadêmico que Celso encontrou sua verdadeira vocação. "Nunca imaginei ser o que fui. Queria, na verdade, ser escritor de ficção. Mas percebi que meu forte era captar o essencial da realidade. Era onde podia dar mais: através da análise, do ensaio, entender o Brasil", revela o economista, paraibano de Pombal, no documentário, gravado quatro meses antes de sua morte, em 2004.
Jornal do Brasil (RJ) 30/3/2008
31/03/2008 - Atualizada em 30/03/2008