Ex-presidente da Academia Brasileira de Letras disse, em Londrina, que o país tem que ter maior 'protagonismo' no acordo ortográfico
Gisele Mendonça
Reportagem Local
Depois da tão esperada aprovação de Portugal ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, o Brasil agora deve incentivar a adesão de Angola e Moçambique. A observação é do ex-presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça, em passagem por Londrina recentemente. Ele defende que o Brasil tem que ter ''maior protagonismo no acordo, que é uma simplificação conveniente à convivência dos povos e ao progresso da humanidade''.
Para Vilaça, é importante a adesão de Moçambique, já que o país está muito inclinado à comunidade britânica por conta da vizinhança com a África do Sul. No caso de Angola, segundo ele, há um grupo de pensadores que defende a predominância de alguma língua nativa da nação - agora, inclusive, há uma expressão do pensamento angolano que quer adotar a palavra Ngola, tirando o ''a''.
''Não cuidarmos disso significa que não temos tido cidadania, nem compromisso com o contemporâneo do Brasil'', afirma o acadêmico, que presidiu a Academia entre 2006 e 2007 e também é ministro do Tribunal de Contas da União. O objetivo da reforma ortográfica é unificar a escrita do português nos oito países (com cerca de 210 milhões de pessoas, das quais 190 milhões só no Brasil) que falam a língua no mundo, conservando, porém, as variadas pronúncias. Além de Portugal, já ratificaram a proposta Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Ainda estão de fora Moçambique, Angola, Guiné-Bissau e Timor Leste.
Com a padronização, o português finalmente deve se tornar uma das línguas oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU). A proposta prevê, entre outras coisas, o fim das consoantes mudas, novas regras para o uso de hífens e acentos, além da inclusão oficial do ''k'', do ''w'' e do ''y'' ao alfabeto.
''Na prática, no Brasil, vai ser como o governo federal já decidiu: os livros escolares a partir de 2010 têm que ser na grafia nova. Já está no mercado um dicionário com as correções. Estou curioso para ver'', afirma Vilaça. Ele lembra que todas as discussões envolvem a participação da Academia Brasileira de Letras, que sempre teve ''presença forte'' na história dos acordos ortográficos.
O acadêmico diz que a unificação do português vai melhorar o relacionamento entre os povos. ''Como pode a gente não poder mandar livro para as crianças de Angola porque elas têm um português numa grafia diferente da nossa? Tem sentido a gente passar pelo constrangimento de ver o senhor José Saramago, que tem obras respeitadas no mundo inteiro, exigir que seus livros sejam editados na grafia portuguesa no Brasil? E aceitar que João Ubaldo tenha que editar 'Budas Ditosos' em Portugal na grafia deles?'', questiona Vilaça. Ele critica a postura histórica de Portugal de não querer se adequar a modernização da língua. E observa que os portugueses ficam ''raivosos'' porque as telenovelas brasileiras estão introduzindo muitas expressões em Portugal, mas não levam em conta que a lígua vai incorporando expressões naturalmente. ''Hoje, quando chegamos em qualquer aeroporto do mundo dizemos check-in. E quando vamos ao médico dizemos check-up'', exemplifica.
Numa comparação com o espanhol, Vilaça destaca o fato de a Real Academia Espanhola e mais 17 academias de países que falam aquela língua terem editado um dicionário unificado. ''A língua é um ser vivo, não é uma coisa engessada'', diz.
Folha de Londrina (PR) 3/6/2008
03/06/2008 - Atualizada em 02/06/2008