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Males e malefícios da democracia

 

Alguns leitores, e até mesmo um senhor que me abordou na rua, estranham que eu venha declarando, com insistência, que não acredito e até me recuso a participar da chamada "democracia representativa", tida como o pior dos regimes, com a exceção dos outros. Na velha mania de ignorar o óbvio (a afirmação de uma coisa não implica a negação de outra ou vice-versa), perguntam se eu me converti ao totalitarismo, aos regimes fortes em que o povo não é ouvido nem cheirado.


Duvido de tudo o que penso e faço, mas, nesta questão, estou fechado, não abro. Se tivesse alguma dúvida a respeito de minha posição, quando entramos para valer em mais uma campanha eleitoral majoritária, teria motivos para derrubar qualquer vacilação sobre o malefício, a inutilidade e a hipocrisia da democracia dita representativa.


Pelo contrário: é justamente neste momento que fica evidente a não-representação do povo, do eleitorado mais precisamente, na escolha não apenas dos candidatos mas dos programas, se é que se pode falar em programas dentro da realidade político-partidária em que vivemos.


Meia dúzia de sobas, com apoios explícitos ou disfarçados da mídia e do empresariado, decidem entre si, em jantares e reuniões catimbadas, quem será o quê, desde que satisfaça os apetites de poder ou de dinheiro dos grupos que se ajustam ou se desajustam na hora de engabelar o eleitorado.


Não se trata de um julgamento de valor. Em geral, são homens probos, experimentados na vida pública, que decidem os rumos da vida nacional com duas ou três alternativas de fachada, mas, na realidade, seja qual for a preponderante, o que vigora nas negociações, alianças, perspectivas disso e daquilo, atende apenas ao interesse de uma cúpula da sociedade. O povo funciona como caudatário de decisões que não tomou, consolando-se em votar ou não votar no fulano ou no beltrano que lhe foram impostos de cima para baixo.


Outro dia comentei, na página 2, a foto de um jantar em que os caciques do PSDB começavam a escolher o candidato do partido. O eleitorado tucano seria obrigado a absorver, por bem ou por mal, as decisões daqueles quatro, que só se tornaram públicas quando foi escolhido o candidato que fará o glorioso papel de boi de piranha para ser devorado pela avassaladora campanha eleitoral do presidente - que está em campanha há mais de três anos.


Este sim, apesar do péssimo governo que realizou, apesar das traições mais acintosas de um político em relação a seu passado, continua com o grosso do eleitorado a seu favor, o mesmo eleitorado que terá duas opções: submeter-se à cangalha dos caciques ou votar naquele que considera não o melhor, mas o mais próximo, mais povo, no que há de folclórico quando se fala ou se pensa em povo.


Povo que se recusa, em linhas gerais, a se partidarizar por muitos motivos, sendo o mais importante a não-existência de partidos, substituídos por grupos voláteis de opinião e ação, todos com cartas marcadas para os diversos cenários que se formarão até a data limite para o registro das candidaturas.


Existem grupos mais ou menos definidos por um passado que não garante um futuro. Aliás, para um político profissional, o futuro é a soma de conveniências que se formarão a cada dia, a cada lance da conjuntura nacional. Chamam a isso de pragmatismo. O sujeito assina um documento garantindo que ficará no cargo para o qual pretende ser eleito: haja o que houver ele cumprirá o mandato até o fim. A mosca nem precisa ser azul, basta ser mosca e ele evolui de opinião em nome de sua capacidade de ser o melhor seja lá para o que for.


Outro sujeito garante que dará um cheque em branco para um eventual aliado e depois se declara traído, apunhalado pelas costas, quando toda a jogada - a do mensalão, com todas as suas seqüelas - foi feita escancaradamente à sua frente.


Todos esses elementos derrubam, no meu entender, o conceito e a prática da democracia representativa. Não entendo muito do assunto, mas acho que uma forma de eliminar ou atenuar essa aberração política seria o voto setorial ou distrital. Não entendo como um eleitor do Alto (ou do baixo) Purus possa avaliar conscientemente a vantagem de votar num candidato presidencial saído das entranhas do Piantella ou do Massimo.


O mesmo candidato que será empurrado pela goela de um eleitor da fronteira com o Uruguai ou com a Argentina, do interior baiano, de regiões onde será consumida apenas a campanha em sua fase de televisão, quando todo o jogo já estiver plantado no cenário político e econômico da nação.


Não estou insinuando -nem tenho autoridade para isso- a abstenção ou o voto nulo. Honestamente, sou integrante único e bastante do partido que me convém, o do Eu-Sozinho. Não tenho dado certo, mas os outros partidos também não deram certo.


 


Folha de S. Paulo (São Paulo) 07/04/2006

Folha de S. Paulo (São Paulo), 07/04/2006