PENAS PERDIDAS
Perguntas por que meus versos
Choram, em vez de sorrir...
É que eles são universos
Que estão quase a se extinguir.
Tristes deles, minha filha,
Tristes deles, minha irmã,
Raro é aquele que brilha,
Quando desponta a manhã.
São pequeninos fragmentos,
Pedaços da minha cruz,
Errando ao sabor dos ventos,
Como planetas sem luz.
As lágrimas que vieram
Umedecer este chão,
Num coração estiveram
Que já foi meu coração.
Pobre estrela desgarrada
Foi essa estrela de amor,
Hoje de todo apagada
No seu fumeiro de dor.
Irrompa, embora, no Oriente,
Qualquer aurora, qualquer,
Quem tem o Ocaso, somente,
Não vê a aurora nascer.
Houve uma dama formosa
Que meu coração colheu,
Como se colhe uma rosa
Mal o dia amanheceu.
Que quadra feliz foi essa!
Que meninice ideal!
O sonho que assim começa,
Quase sempre acaba mal!...
Um dia, a dama querida
Para outro país partiu...
Não cicatriza a ferida
Que uma ingratidão abriu.
Ela sumiu-se entre os astros,
Sem que a pudesse alcançar...
Quem é que, andando de rastros,
Pode um pássaro apanhar?
...................................................
O que hoje faço, portanto,
É fazer o que não fiz:
Enxugar, a furto, o pranto,
E fingir que sou feliz.
(Poesias escolhidas, 1917.)
EM MEIO DO CAMINHO
Quando à varanda de ouro e nácar da poesia
Chega o fantasma negro e triste de meu verso,
Que nos olhos, outrora, a dúvida trazia,
Como as ruínas de ignoto e lúgubre universo,
Paira, branca, no azul, a sua imagem fria.
Minha estrofe soluça, a lágrima murmura,
Timidamente ao meu ouvido um ai queixoso,
Deixando atrás de si aberta a sepultura,
Onde - coveiro mau - vou enterrar o gozo
Da primeira saudade e da última ventura.
A demência, enroscada aos meus cabelos, ruge,
Desatrelando os seus mastins e as suas fúrias.
Arreminado o vento, entre os parcéis estruge:
E eu venço a preamar de todas as injúrias,
Apesar de seu lodo e da sua babuje.
Porão escuro e vil, de mortos carregado,
Vai minh’alma sulcando oceano fora. Rudo,
Rebenta o temporal às nuvens agarrado.
Debalde ao mar o horror dos meus nervos sacudo,
Debalde ao céu num ai subo aterrorizado!
Onde estais, onde estais, quimeras fugitivas?
Onde estais, onde estais, fugitivos amores?
Vejo-vos, sem clamor, nas sombras redivivas
Que vêm em procissão regar as minhas dores
- Desbotadas cecéns, pálidas sempre-vivas!
A antífona queixosa onde até hoje mora,
Como em cárcere de ouro, um astro prisioneiro,
Minha pobre e infeliz alma de poeta, agora,
Ao ouvir da saudade o verso derradeiro,
Com o verso delira e com o verso chora.
Olgas e torrentões trajaram-se de luto;
Secou-se o rio, a voz das árvores calou-se.
Um rumor tumular erriça o monte abrupto...
E o fruto, a sazonar no coração, mais doce
Que o mel, por que ficou tão amargo esse fruto?...
O que se vê na terra, e se entrevê no espaço
É uma projeção do que se passa n’alma.
Ah! tivesse-a ao meu seio, ah! tivesse-a ao meu braço,
Que voltaria a luz resplandecente e calma
À estrofe, onde ainda escuto o ruído de seu passo.
Seu nome tem a cor de um céu triste e remoto:
Tem nas letras azuis um arco-íris aberto;
Quando o ouço pronunciar, em cada letra noto
Um rio que parece entrar por um deserto,
Buscando a esfera ideal de algum país ignoto.
Seu nome, sua voz, tudo me encanta o ouvido,
E, em ídolos, consagra a ânsia desse transporte,
A luz dessa visão, o eco desse gemido...
E quando julgo entrar os penetrais da morte.
Eis-me à roda fatal, de novo, restituído!
E a isso chamam viver! Que suprema ironia!
Dorme a estrela no céu, como qualquer carcaça
No fundo de uma vala ou de uma galeria
De mortos, onde o mocho um epitáfio traça,
Quando num crânio pousa ou sobre um sonho pia!...
A luz de que nos serve? O sol que nos aquece,
De que nos serve o sol, se andamos solitários.
Sem teu bordão, ó fé, sem teu Calvário, ó prece?
A religião da infância, o incenso dos santuários,
Bem depressa se esvai, bem depressa se esquece!...
(Poesias escolhidas, 1917.)
IRONIA DO CORAÇÃO
Como estavas formosa entre o mar e a minh’alma!
Ias partir... no céu vinha rompendo a aurora.
Eu te pedia - luz, tu me pedias - calma;
Eu te dizia: - “Crê”; tu me dizias: - “Chora!”
Beijei-te as mãos, beijei-te os pequeninos pés,
Como os lábios de um padre um assoalho sagrado.
Longe, ouvia-se ainda, entre os caramanchéis,
A melodiosa voz do luar apaixonado.
“É a voz do nosso amor, nos esponsais das flores.
Não chores mais, acalma a tua ansiedade.
Assim, como hei de eu dar trégua às minhas dores,
E recalcar no peito esta amarga saudade?”
Partiste... Sobre mim cerrou-se a escuridão.
E eu não ouso subir aos meus sonhos agora,
Porque, irônico e mau, me grita o coração,
Quando não creio: “crê!”, quando não choro: “chora!”
(Poesias escolhidas, 1917.)