Na grande noite de sexta passada (7), na Academia Brasileira de Letras, com a posse da escritora Ana Maria Gonçalves, os discursos levantaram democraticamente o tardio ingresso das mulheres na Academia. Foi lembrado o caso da escritora Amelia Bevilaqua, cuja candidatura a uma cadeira em 1930 foi recusada por ela ser mulher e, por isso, seu marido, o jurista e membro da Academia, Clovis Bevilaqua, solidário com a esposa, retirou-se da instituição. Mas a história não se resume a isso.
Merval Pereira, atual presidente da Academia, lembrou em sua coluna no Globo de domingo (9) que Clovis Bevilaqua foi o jurista que, em 1916, criou o implacável novo Código Civil Brasileiro. Para quem não sabe, um código que negava às mulheres o direito ao domicílio, à prole, ao alimento, à dignidade e à vida. Um homem "insatisfeito" no casamento podia castigar fisicamente a mulher, expulsá-la de casa, tomar-lhe os filhos, privá-la de sustento, substituí-la por outra e, em caso de adultério da esposa, com ou sem provas, matá-la —e o júri o absolveria.
O código previa o desquite (a separação "consentida"), mas, a partir dali, o futuro era diferente para cada um. O homem podia voltar à vida de solteiro, sustentar três amantes e até se casar com a Mata Hari. À mulher desquitada restavam voltar para a casa dos pais, onde seria acusada pelo fracasso do casamento; a prostituição, por seu despreparo profissional; entrar para um convento; ou a união com um novo homem, com quem só poderia se casar depois que seu ex-marido morresse.
Amelia Bevilaqua não se retirou do casamento ao ler o código criado por seu marido. Continuou a escrever e a criar galinhas em sua casa na Zona Norte —as quais não se limitavam ao quintal e ao galinheiro. Moravam com eles, compartilhando a cama do casal, a mesa de refeições e a sala de visitas. O galo os acordava no próprio quarto. Pombos também iam e vinham, aninhando-se nos armários.
Apesar disso, o sempre solidário Clovis Bevilaqua não se retirou de casa.
12/11/2025