Morreu na tarde desta quinta-feira (22) o educador pernambucano Evanildo Bechara, aos 97 anos. O intelectual, membro da Academia Brasileira de Letras, estava internado há cerca de um ano no hospital Placi, no Rio de Janeiro, e morreu por falência múltipla de órgãos.
Especialista em linguística e gramática, Bechara se tornou referência em escolas e universidades brasileiras com sua obra "Moderna Gramática Portuguesa", que já teve 40 edições desde seu primeiro lançamento em 1961.
Bechara teve papel central na organização do "Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa" em 1972, sob orientação de Antônio Houaiss —hoje, o trabalho já engloba mais de 340 mil vocábulos.
"Evanildo Bechara era o maior especialista em língua portuguesa, com fama que ultrapassa nossas fronteiras", frisou o presidente da ABL, o jornalista Merval Pereira. "Foi o representante brasileiro na reforma ortográfica feita com Portugal."
Nascido no Recife em 1928, Bechara mudou-se ainda adolescente para o Rio de Janeiro, após a morte do pai. Lá, cursou letras neolatinas na então Faculdade do Instituto La-Fayette, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde se formou no final dos anos 1940.
Aos 17 anos, quase oito décadas atrás, publicou seu primeiro ensaio, "Fenômenos de Intonação", e aos 2 passou a lecionar língua portuguesa.
Bechara defendia que o dicionário não pode ser estático, assim como a língua não é. Já aos quase 95 anos, causou polêmica ao apoiar a adição da palavra "dorama" —que significa drama em japonês e coreano— ao dicionário da Academia Brasileira de Letras.
Continuava na ativa como presidente da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da ABL em 2022, quando concedeu uma entrevista à Folha logo após doar ao Real Gabinete Português de Leitura, no Rio, sua biblioteca contendo mais 20 mil volumes.
Disse na ocasião que os professores de português tinham a tarefa de "transformar o aluno em um poliglota dentro da sua própria língua", capacitando cada estudante a compreender a língua em todas as suas múltiplas variantes, afetadas por aspectos regionais e sociais.
"O professor Said Ali me trouxe a ciência para que, na hora em que estivesse ensinando os usos, eu o fizesse mostrando ao aluno que uma língua é sempre um repositório de várias linguagens. Uma língua nunca é uniforme, ela tem variantes, de acordo com a cultura de cada falante", disse na ocasião.
Sempre defendeu, contudo, o ensino claro das normas padrão do idioma, aliado ao incentivo a alargar os horizontes linguísticos dos alunos a partir dela. "À medida que os nossos conhecimentos se ampliam, temos que também ampliar as possibilidades de expressão do pensamento."
Não defendia, contudo, que se entendesse o idioma corrente no Brasil como "língua brasileira", algo defendido por alguns intelectuais. "A língua é sempre a língua portuguesa, a língua portuguesa dentro de um padrão lusitano, de um padrão brasileiro, de um padrão africano."
Entre seus reconhecimentos internacionais, sintomaticamente, está um título de doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra, concedido em 2000.
Foi membro titular da Academia Brasileira de Filologia, da Sociedade Brasileira de Romanistas, do Círculo Lingüístico do Rio de Janeiro e ocupou a cadeira nº 33 da Academia Brasileira de Letras a partir de 2000, sucedendo Afrânio Coutinho. Lá, ocupou cargos oficiais como diretor tesoureiro e secretário-geral.
Por coincidência, o educador deixa vaga sua cadeira na ABL no mesmo dia em que um novo acadêmico foi eleito. Nesta tarde, Paulo Henriques Britto foi escolhido para ocupar a antiga cadeira da crítica literária Heloísa Teixeira, morta em março. Bechara, internado, não participou da eleição.
O velório do linguista será nesta sexta, na sede da Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro.
Matéria na íntegra: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2025/05/morre-evanildo-bechara-um-dos-maiores-gramaticos-do-brasil-e-membro-da-abl.shtml
22/05/2025
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