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ABL na mídia - O Globo - 'Imortalidades': em novo livro, Eduardo Gianetti reflete sobre méritos e limites da busca pela vida eterna

 

Imagine que, no seu nascimento, você, leitor, receba uma caixa de fósforos contendo o número exato de palitos correspondentes aos seus anos de vida. E, a cada aniversário seu, um palito é retirado da caixa, aceso e descartado. Se isso te permitiria planejar melhor a vida, priorizar as escolhas e tirar calculadamente o máximo proveito do tempo disponível, por outro lado provocaria angústia sobre como seria viver sabendo exatamente o tempo da convivência e, mais grave, como reagir ao sobrar apenas um palito?

Esse estimulante exercício intelectual é proposto por Eduardo Giannetti em “Imortalidades”, que reúne microensaios sobre os méritos e limites da busca pela vida eterna. Desafiando o leitor a refletir sobre o que é viver e, principalmente, morrer, Giannetti trata de diversas situações, nas quais passeia com desenvoltura por ciência, literatura, música e outras artes para tratar de temas que considera vitais. Como, por exemplo, a percepção da finitude e o anseio da perenidade.

A formação em Economia não desanimou Giannetti a abandonar a Filosofia, interesse antigo que o motivou a anotar, por mais de 40 anos, temas sobre o assunto. Com isso, elaborou reflexões que estimulam o pensamento do leitor. “Na equação da vida não há incógnitas insolúveis”, escreve ele. “Uma pequena veia rompida no cérebro, e pronto: tudo acabado. A morte é o nada absoluto, o retorno ao não-ser de onde viemos: enquanto sou, ela não é; quando eu não for, ela não será.”

No texto, o autor equilibra erudição com bom humor e até provoca gargalhadas. Armados como itens numerados, os microensaios seguem uma trilha que se inicia por questões filosóficas baseadas em questões que a ciência ainda não consegue responder. “Seja qual for a origem do universo — Deus, Big Bang, vômito de Bumba, hacker ET entediado —, a pergunta se renova; nenhuma explicação da realidade explica a si mesma: qual a origem da origem?”, questiona ele para, nas páginas seguintes, apresentar a única certeza indiscutível: “‘Pó é o que és, e ao pó retornarás’ (Gênesis, 3:19). Eis uma verdade bíblica que podemos tomar, sem nenhum favor, ao pé da letra.”

Pensar simplifica

A literatura é uma grande aliada para Giannetti para quem “pensar é tornar as coisas mais simples do que elas são”. Ao longo de séculos, escritores abusaram de suas prerrogativas artísticas para cruzar a linha entre ficção e realidade e divagar sobre a finitude humana. “A morte e a imortalidade”, já disse Milan Kundera, “formam uma dupla indivisível, mais bela que Marx e Engels, que Romeu e Julieta, que Laurel e Hardy”.

Fiel a esse raciocínio, Giannetti busca exemplos específicos, aqueles com personagens que abrem mão do privilégio de desfrutar da eternidade. É o caso de Gilgamesh, protagonista do mais antigo texto literário de que se tem registro na história humana, remontando ao século XXI a.C. Em sua epopeia, o rei de Úruk descobre que, embora mortal como todos, a única forma de imortalidade ao seu alcance é a de um renome duradouro proporcionado por feitos eternos.

Também Ulisses, um dos heróis gregos na Guerra de Troia, protagonista de “Odisseia”, de Homero, é destacado por Giannetti. Em sua longa jornada de volta a Ítaca, onde a amada Penélope lhe espera, Ulisses recebe a proposta dos deuses de saborear a imortalidade. “Entre a condição mortal coroada pela glória eterna na memória coletiva póstuma, de um lado, e a imortalidade física alcançada pelo favor da deusa, de outro, Ulisses reafirma o desejo de voltar a Ítaca, apesar dos riscos e ameaças que ainda terá que enfrentar”, escreve Giannetti, citando ainda o classicista francês Jean-Pierre Vernant para quem “Odisseia” traz a “recusa heroica da imortalidade”.

Giannetti lembra ainda de Machado de Assis e Jorge Luis Borges como autores de obras cujo fio condutor é uma questão crucial (“valerá a pena viver para sempre?”), mas “Imortalidades” consolida seu fascínio quando o autor (curiosamente um imortal da Academia Brasileira de Letras desde 2022) se baseia no avanço tecnológico moderno para fazer deliciosas e inquietantes elucubrações. No microensaio 51, intitulado “Imortalidigitalização”, ele parte do transumanismo, uma corrente tecnocientífica nascida na Califórnia nos anos 1980, para questionar se o uso do mais avançado arsenal tecnocientífico (inteligência artificial, medicina regenerativa, nanomedicina, terapia genética) permitiria transcender as limitações da vida biológica.

Uma das principais apostas dessa pesquisa é a ideia de converter personalidades humanas em programas de IA aptos a serem armazenados no ciberespaço. Ou seja, supercomputadores fariam da IA o próximo passo da evolução. “Ao se carregar o ‘eu digital’ na nuvem, porém, o que restaria da pessoa que o originou?”, questiona Giannetti. “De que modo seriam traduzidos e preservados em código-fonte os seus vínculos de amor e amizade, o fluxo sensório, o calor do sol na pele, a delícia de um banho de mar, o olhar apaixonado e tudo, enfim, que significa estar vivo entre os vivos?”

Apesar de informar que o após-a-morte não lhe diz respeito, o economista filósofo elenca prováveis empecilhos para a concretização da “alma digitalizada”, como o risco sempre iminente de bugs, hackers, apagões e colapsos imprevistos. “Se a chegada é fortuita, a partida é fatal”, conclui. Ubiratan Brasil é jornalista.

Matéra na íntegrahttps://oglobo.globo.com/cultura/noticia/2025/06/28/imortalidades-em-novo-livro-eduardo-gianetti-reflete-sobre-meritos-e-limites-da-busca-pela-vida-eterna.ghtml

28/06/2025