Sexta-feira, dia 7 de novembro, vai entrar para a História. A escritora mineira Ana Maria Gonçalves, de 55 anos, foi a primeira mulher negra a se tornar uma imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). A autora de “Um defeito de cor” se tornou a 13ª a ocupar uma cadeira na instituição criada em 1897, no caso dela, a de número 33. Atualmente, entre 40 membros, seis são mulheres.
Antes da cerimônia, marcada tradicionalmente às 20h, as seis imortais da ABL se reuniram numa sala improvisada como camarim no local. Lá, deram entrevista, relatando sentimentos, visões e perspectivas diante da chegada de Ana Maria ao quadro feminino. De quebra, passaram pela maquiagem e foram fotografadas alguns minutos antes da posse.
Ana Maria se preparou com esmero para a grande noite. Escolheu um vestido repleto de significados, inspirado no croqui do modelo usado pela escritora Rachel de Queiroz (1910-2003), a primeira mulher a ingressar na ABL, em 1977. Os louros dourados e a cor verde foram mantidos, e Ana Maria incluiu também colares. O traje foi confeccionado por um grupo de profissionais da Portela, coordenado pelo carnavalesco André Rodrigues. A azul e branco de Madureira e Oswaldo Cruz levou a obra da escritora para a Avenida, em 2024, ampliando ainda mais o alcance do livro.
Em seu discurso, interrompido diversas vezes por calorosos aplausos, Ana Maria fez referência à entrada de Rachel de Queiroz na instituição. “Com certeza, a comoção causada pela discussão em torno da candidatura de Dinah Silveira de Queiroz contribuiu para isso”, lembrou. “Da mesma maneira que acredito que a discussão em torno da candidatura da escritora Conceição Evaristo, em 2018, contribuiu para eu estar aqui hoje. Independentemente do resultado, foi uma candidatura que fez com que a ABL olhasse para si e, diante da sociedade, finalmente percebesse o quão homogênea ainda era, e o quanto falhava em representar, dentro dos seus quadros, todas as línguas faladas pelo nosso povo”, emendou. Naquele momento, Conceição, que estava na plateia, levantou-se. E a ABL veio abaixo.
A emoção estava latente nas novas companheiras de Ana Maria. A escritora e jornalista carioca Ana Maria Machado, de 83 anos, a escritora, jornalista e feminista carioca Rosiska Darcy de Oliveira, de 81, a atriz carioca Fernanda Montenegro, de 96, a jornalista mineira, escritora e colunista do GLOBO, Míriam Leitão, de 72, e a historiadora e escritora paulistana Lilia Schwarcz , de 67, teceram reflexões sobre o momento. “Quando uma pessoa como Ana Maria entra, ela traz as populações negras, africanas e afro-brasileiras, com seus nomes e sobrenomes, histórias e memórias. Enfim, suas verdades. É um dia muito especial”, afirmou Lilia. Foi justamente a historiadora que fez o discurso de recepção à mineira, que foi conduzida ao salão nobre por Rosiska, Fernanda e Míriam. Ana Maria Machado foi responsável pela entrega do colar e o cantor, compositor e também imortal Gilberto Gil, do diploma. “Ana é uma maravilhosa escritora, e temos que ter essa representatividade. Há um valor simbólico enorme”, disse Ana Maria Machado.
Para Míriam Leitão a vitória é coletiva. “A posse dela é importante para a ABL e para o Brasil. Sinto-me realizada em vê-la aqui. A ABL vem se transformando há algum tempo. E é uma transformação interessante porque, ao mesmo tempo que deseja conservar o que precisa ser conservado, está aberta a mudanças”, observou, elogiando “Um defeito de cor”, “um livro deslumbrante”. Fernanda Montenegro também falou sobre a posse: “Ana Maria não está aqui por ser negra. Está por ser uma mulher de imenso talento, uma escritora importante e um ser humano brilhante”.
Em outro momento do discurso, Ana Maria Gonçalves trouxe à baila o machismo estrutural. “A misoginia que injustiçou Júlia Lopes de Almeida (1862-1934) como parte do projeto androcêntrico de fundação da Academia Brasileira de Letras continuou agindo por mais de oito décadas”, declarou. A escritora citada por ela participou da fundação da ABL, mas não pôde assumir uma cadeira por ser mulher. Mais de cem anos depois, a luta pelos direitos das mulheres continua, dentro e fora da instituição. Algumas das imortais comentaram a aprovação pela Câmara, no dia 5 de novembro, do projeto que dificulta o acesso ao aborto legal por crianças e adolescentes vítimas de estupro. “Esse nível de indecência me surpreendeu. Espero que o Senado deixe esse lixo no lixo”, concluiu Rosiska Darcy de Oliveira.
Matéria na íntegra: https://oglobo.globo.com/ela/gente/noticia/2025/11/16/o-encontro-de-ana-maria-goncalves-a-primeira-negra-da-abl-com-as-outras-academicas.ghtml
17/11/2025