Eleito Homem de Idéias de 2007, imortal fala sobre seus projetos para “o ano das efemérides”
Mariana Figueiras
Antes de começar a entrevista, Alberto da Costa e Silva pede licença para acertar os quadros na parede. Só ele vê que estão desalinhados. Do quarto andar do seu prédio, dá para ouvir a algazarra de crianças que acabaram de sair da escola. Nesta tarde, aliás, o embaixador mais parecia um estudante que tira 10 sem ter estudado nada para a prova. Surpreso por ter sido eleito o Homem de Idéias de 2007, como se nada tivesse feito além de suas possibilidades. Costa e Silva apenas esteve à frente das duas principais comissões culturais da cidade: a do bicentenário da chegada da família real e a do centenário de morte de Machado de Assis, além de escrever três livros concomitantemente e organizar a reedição da obra completa de Jorge Amado, para a Companhia das Letras. Idéias que nasceram em 2007 e que, com certeza, vão durar bem mais do que um ano.
Ainda nem entramos em 2008 e o debate sobre a vinda da família real toma conta de diversas instâncias culturais. O sucesso confirma que os objetivos foram alcançados?
- Tenho a impressão de que o que se pretendia alcançar, que era chamar a atenção para este fato da nossa história e para as personagens que fazem parte dele, já foi obtido. Porque realmente o que se escreveu, o que se mostrou pela televisão, pelos jornais e revistas, sobre o assunto fez com que o objetivo principal fosse alcançado, sim. Já estamos no lucro... A gente espera que o debate seja estendido ao longo do ano. Embora seja normal que após alguns meses se verifique um certo cansaço.
Diante de tantas remexidas no tema, apareceu alguma novidade histórica?
- Ainda não, mas há tanta gente trabalhando no tema que é de se crer que vá se revelar algumas surpresas. Começamos a receber os originais do nosso concurso de ensaios sobre a família real. O concurso fecha em 31 de dezembro, ainda não olhei nenhum deles, vou repassá-los diretamente à comissão julgadora. Mas quero crer que alguns dos ensaios devem ser instigantes, devem trazer fatos novos, pesquisas novas. As pessoas estão indo para os arquivos. Tanto em Portugal quanto no Brasil.
Qual a demanda de Portugal no assunto?
- É normal que eles estejam mais interessados nas conseqüências para Portugal da vinda da família real para o Brasil. Evidentemente, para Portugal representou uma perda - se nós deixamos de ser colônia para virar a capital, eles foram uma capital que virou colônia. Agora é precioso saber se essa perda seria maior se eles tivessem ficado. Se tivessem sido aprisionados por Napoleão e o território português tivesse sido dividido em três, sob diferentes governos.
Quais são as expectativas para a série de comemorações?
Estamos todos à espera da nova biografia de dom João VI, da professora Lucia Bastos. Vai sair em meados do próximo ano. Com certeza, vem novidade por aí. Também sai o dicionário do Brasil Joanino, organizado pelo Ronaldo Vaifas e por ela. A biblioteca de 1808 só está crescendo, e com ela, a de todos nós.
E quais são as novidades da Comissão Machado de Assis?
Há duas comissões, uma da prefeitura e uma da ABL. A da prefeitura vai comemorar Machado de Assis como um cidadão carioca, coordenada pelo Sergio Paulo Rouanet, que está organizando a correspondência basicamente passiva de Machado. Eu faço parte da comissão da ABL. Estamos organizando nosso programa, com uma série ampla de conferências como nunca houve, que vão abranger todos os aspectos do grande escritor: Machado e o romance brasileiro, Machado e o conto brasileiro, Machado e a crônica, Machado e a poesia, Machado e a crítica literária, a música em Machado, Machado e a política, Machado e a medicina, Machado e a geografia, Machado e o teatro, Machado traduzido, Machado reescrito, Machado como inspiração para personagens de romances.
E lançamentos?
A Nova Aguilar vai publicar nova edição da obra completa, com número grande de entradas novas, como contos e crônicas. A José Olympio vai reeditar Machado de Assis, de Augusto Meyer. Também será reeditado o livro sobre Machado de Assis de Afrânio Coutinho. E o livro do Mário Mattos. E o do Barreto Filho.
Nunca houve uma efeméride tão produtiva...
Este vai ser um ano especial. Veja: 400 anos de padre Antonio Vieira. Um dos maiores personagens e autores da língua portuguesa. Brasileira e portuguesa a um só tempo. O grande mestre da prosa, um dos dois grandes mestres da prosa portuguesa, aliás. Uma vertente é do padre Antonio Vieira; a outra é a do padre Manoel Bernardes. Uma vertente vai dar no Guimarães Rosa, que é a do Vieira, outra vai dar no Machado de Assis, que é a do padre Manuel Bernardes. E ainda tem o centenário de Guimarães Rosa. Já são quatro efemérides, contando a chegada da família real.
Há público preparado para tantos eventos literários?
Sou partidário da idéia de que se lê mais no Brasil do que se lia no passado. Ao contrário das pessoas que vivem se queixando, acho que, embora ainda se leia pouco no país, se lê mais do que se lia quando eu tinha 20 anos. Vejo as livrarias com mais gente. Vejo mais gente jovem com livros nas mãos. Você vai às livrarias e encontra as pessoas. Eu sou de uma época em que as livrarias eram excelentes, mas tinham uma ou duas pessoas comprando. Sabe qual foi a tiragem de Vidas Secas, de Graciliano Ramos? Se eu não me engano, 400 exemplares. Os livros tinham tiragens muito baixas. Hoje um livro de um autor conhecido começa com 3 mil exemplares.
Mas havia mais leitura nas escolas... Hoje em dia, com a aprovação automática, as escolas não exigem mais leitura dos alunos.
A escola abandonou quatro coisas essenciais: a cópia, o ditado, a leitura em voz alta e a composição baseada na visão de objetos. Tudo isso favorecia muito o conhecimento da palavra, da estrutura da frase, e exigia dos alunos. Ler em voz alta é essencial, porque ensina a virgular, ensina as respirações da fala. Quem lia em voz alta tomava gosto pela leitura. Enquanto um lia alto, os outros liam em silêncio. O ditado educa o ouvido. A cópia estimula a concentração. A descrição de quadros de natureza morta é essencial, por exemplo. A criança aprende a pôr no papel, com palavras, o que ela vê. Isto estimula os sentidos. Fazer da leitura o centro do ensino da língua. Eu tive este privilégio.
Como vão os dois livros que o senhor escreve sobre a África?
O terceiro volume da minha coleção sobre a África está interrompido no terceiro capítulo. O Jorge Carneiro, da Ediouro, me pediu para fazer um livrinho de uma série de livros para jovens. Jacques le Goff lançou A Idade Média explicada aos meus filhos, Isabel Lustosa, A História do Brasil explicada aos meus filhos, e ele me pediu para escrever, espero entregar até março, A África explicada aos meus filhos. Só que, no caso, terá de ser aos filhos dos meus filhos, porque meus filhos estão já bem grandinhos. Estou imitando Jacques le Goff, fazendo o livro em forma de diálogo. Não estou fazendo com tópicos como litoral, relevo, geografia, população. Vou fazendo com que a conversa vá correndo de acordo com a própria exposição. Acho que vou conseguir fazer um livro que não seja chato.
Há algum tempo a ficção ronda o senhor... Quando sai um livro de ficção?
Acho que não. Eu não tenho idade para entrar nessas aventuras. O que aspiro é, cumprido este compromisso que eu assumi com o Carneiro, retomar o meu terceiro volume sobre a história da África. Acho que eu tenho a obrigação de escrevê-lo. O primeiro foi A enxada e a lança, a história da África desde o seu começo até 1500. No segundo, A manilha e o libambo, trato de 1500 a 1700. O terceiro é de 1700 a 1914 ou 18. E aí paro. Aí já é história contemporânea, que não é minha praia.
O senhor nota interesse crescente pela história da África? Este interesse está ligado a uma moda de pan-africanismo?
Acho que não. O interesse nasce realmente da curiosidade por uma matéria nova. É preciso não esquecer que a África é uma disciplina recente. A gente começa a ter cursos na universidades européias e norte-americanas por volta de 1960. Antes já se fazia história da África. Mas a história da África era um apêndice da etnografia ou da antropologia. É preciso ir além. Estudar a história sob a perspectiva da África. O que é que o tráfico de escravos levou para a África? O que é que a África deve ao Brasil? Por exemplo, o cultivo da mandioca. O cultivo e preparo da mandioca, como faziam os índios brasileiros, levados pelos portugueses. alterou completamente a dieta da costa, a maneira de comer, e o processo produtivo agrícola da África. E o que é que a história da África foi afetada pela história do Brasil? Aqui nos interessamos tanto por nós mesmos que nos desinteressamos pelas nossas matrizes. Não se trata de estudar a história da África em função do Brasil, mas é preciso estudar a historia da África em função da África. Embora haja uma tendência muito grande de se estudar a história da África ainda pelo estudo do candomblé. Não sou contra. Mas a África não é o aparelho projetor do cinema que se passa no Brasil.
Jornal do Brasil (RJ) 29/12/2007
01/01/2008 - Atualizada em 01/01/2008