Alécio Cunha, repórter
Neste sábado, completam-se dez anos da morte do educador, antropólogo, ficcionista e político Darcy Ribeiro (1922-1997), mineiro de Montes Claros, autor de obras exponenciais como Maíra, O Povo Brasileiro e Diários Índios. Há uma década, ele morria no Hospital Sarah Kubitschek, em Brasília, vítima de uma parada cardíaca, em conseqüência de um câncer generalizado.
A data, por enquanto, passa em branco. Na sua cidade-natal, nada foi programado. Secretário municipal de Cultura e Meio-Ambiente de Montes Claros, João Rodrigues tomou um susto ao ser contactado pela reportagem do HOJE EM DIA na manhã de ontem. “Eu não sabia da data. Não programamos nada. Agradeço a você a lembrança”, disse, acrescentando que, no decorrer do ano, certamente, Darcy Ribeiro terá justa homenagem, embora não saiba ainda quando nem como.
Morando em Montes Claros, o sobrinho do escritor, Paulo Ribeiro, lamentou as ausências de homenagens nesta efeméride. Para ele, este esquecimento não ocorre somente na terra-natal do intelectual de múltiplas facetas, mas também em outros locais, como a capital mineira, onde Ribeiro foi secretário de Educação no início da gestão do ex-governador Newton Cardoso.
“Darcy Ribeiro era a consciência do Brasil, um grilo falante sempre alertando para as mazelas brasileiras, principalmente a falta de investimentos em educação”, salienta o sobrinho. Para ele, o esquecimento de Darcy possui um significado mais amplo. “Ele sempre criticou e incomodou a elite. Não o esqueceram por acaso”, afirma.
O sobrinho do escritor e político lembra que é “uma vergonha” uma cidade como Belo Horizonte não se lembrar do legado humanista de seu tio. “Não existe nenhuma escola, nenhuma rua, nada com o nome dele. E é estranho que uma prefeitura de esquerda, há tantos anos no poder, não se lembre dele”, conta, sugerindo a realização de alguns projetos, que assim como a lembrança dos dez anos da morte de Darcy Ribeiro, também foram esquecidos.
“Ele realizou junto com o arquiteto Oscar Niemeyer o projeto do Museu do Homem para a Universidade Federal de Minas Gerais. Este projeto nunca saiu do papel, embora tenha sido feito na década de 80. Parte do projeto foi usada depois por Niemeyer no Memorial da América Latina, em São Paulo”, enumera Paulo Ribeiro.
Para compensar tamanha ausência de memória, o mercado editorial, pelo menos, mantém em catálogo vários livros escritos por Darcy Ribeiro. A notícia é positiva somente em parte, já que nenhuma editora planejou algum relançamento ou reimpressão.
As obras disponíveis nas livrarias são pontas de estoque de edições anteriores, como Confissões (de caráter memorialístico, inspirado em Santo Agostinho), Diários Índios (relato sobre suas experiências com a tribo dos urubu-kaapor, no norte do país) e O Povo Brasileiro (ensaio referencial para se entender o Brasil, escrito após fugir de uma UTI em 1994)), todos lançados pela editora paulista Companhia das Letras.
A editora carioca Record mantém em catálogo o romance Maíra, que o cineasta moçambicano Ruy Guerra (Os Fuzis, Os Cafajestes), ainda mantém o sonho de filmar, além da coletânea de poemas eróticos Eros e Tanatos, um de seus trabalhos mais polêmicos.
Enquanto isto, dois livros inéditos de Darcy Ribeiro ainda aguardam edição. Escrito na década de 70, com desenhos da artista plástica Patrícia Guinle, Histórias Gáticas traz fábulas tendo como personagens animais. Seus originais eram considerados desaparecidos pela família, mas foram encontrados no acervo do escritor, hoje depositado na Fundação Darcy Ribeiro, que funciona no bairro de Santa Tereza, no Rio de Janeiro.
Outro livro inédito é Os Franceses no Brasil, série ensaística em quatro volumes sobre a importância dos cronistas e viajantes franceses que escreveram sobre o Brasil. A obra seria lançada pelo Senado Federal (quando morreu, Darcy Ribeiro exercia o cargo de senador da República). “O Antônio Carlos Magalhães, quando era presidente do Senado, chegou a noticiar a publicação, mas, até hoje, o livro não saiu”, informa seu sobrinho Paulo Ribeiro, filho do irmão de Darcy, Mário, e o principal guardião da memória do tio, ao lado da pesquisadora Tatiana Memória, que preside a Fundação Darcy Ribeiro (Fundar), no Rio.
A principal novidade nestes dez anos sem Darcy vem justamente da fundação que leva seu nome. O livro Testemunho, lançado pela editora Siciliano no início dos anos 90, uma espécie de preâmbulo ao memorialístico e póstumo Confissões, será disponibilizado na íntegra pela Internet através de uma edição eletrônica. A Fundar mantém um site (www.fundar.org.br) com informações atualizadas sobre o vasto legado de Darcy Ribeiro.
O patrimônio da Fundar é constituído de bens móveis e imóveis, como uma coleção de obras de arte, uma biblioteca de 30 mil volumes, 300 fitas de vídeo, além de um arquivo com documentos, correspondências, recortes de jornais e originais de obras literárias e científicas, tanto manuscritas quanto datilografadas. O local está constantemente aberto a pesquisadores e serviu de base para trabalhos como Darcy Ribeiro, publicado em 1998 pelo Centro de Estudos Literários da Faculdade de Letras da UFMG, numa coleção dedicada a autores mineiros.
Escrito pela professora e ensaísta Ivete Lara Camargos Walty, o volume traz entrevistas, bibliografia, reproduções de fotos e documentos, além de uma pequena fortuna crítica. Nesta mesma coleção, já foram publicados volumes sobre autores como Autran Dourado, Affonso Ávila e Laís Corrêa de Araújo.
Espírito sempre crítico e reflexivo
Montes Claros, cidade-natal do antropólogo, educador, ficcionista e político mineiro Darcy Ribeiro (1922-1997), pode não ter se lembrado de seu ilustre cidadão nos dez anos de sua morte, mas ele jamais se esqueceu da cidade. Em seu livro Confissões, publicação póstuma lançada pela Companhia das Letras, de São Paulo, em 1998, ele conta episódios de sua infância no norte de Minas, recriados com sua prosa sempre saborosa e munida de um espírito crítico e reflexivo.
Na década de 30, sob a vigência da ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, Montes Claros era administrada por Antônio Teixeira de Carvalho, conhecido como Doutor Santos. Naquela época, o travesso garoto pegou emprestado em uma farmácia alguns quilos de metileno azul, colocando o material na caixa d’água que abastecia o município. De repente, todas as torneiras derramaram aquele líquido azulado e o reboliço tomou conta da cidade.
Sempre que podia, em suas entrevistas e alguns textos de natureza memorialística, Darcy Ribeiro relembrava episódios de sua infância na cidade, em especial, o carinho que tinha pela mãe, a professora Josefina Augusta, a Mestra Fininha, de quem herdou o gosto pelo olhar pedagógico, o raro dom de ensinar.
O educador observa em Confissões a importância de um parente na sua formação intelectual: seu tio, o médico e deputado federal Plínio Ribeiro, que também era proprietário de uma fábrica de tecidos. Darcy vivia entre os livros do tio, conferindo as centenas de exemplares de clássicos da literatura presentes naquelas inesquecíveis prateleiras. Não foi à toa que Plínio Ribeiro ajudou a fundar a Academia de Letras de Montes Claros, da qual foi um dos idealizadores.
DARCY POR DARCY
Os pensamentos do mineiro
“O PT é a esquerda que a direita gosta.”
“Temo, mesmo, que a ditadura tenha quebrado na juventude de classe média o nervo ético e o sentimento cívico, levando enorme parcela dela ao desbunde e à apatia.”
“A experiência de romancista é das mais fortes da minha vida. Criar personagens e fazê-los viver seus destinos, amando seus amores, sofrendo suas dores, é pelo menos comovente.”
“Um brasileiro que não leu todo José Lins do Rêgo, não leu Graciliano, não leu Jorge Amado, é um tolo, porque deixou de herdar alguns dos espelhos que mais nos mostram como esse país é e a dor e o gozo de ser brasileiro.”
“Eu sou realmente vaidoso. Tenho mesmo uma tendência a desprezar os modestos, porque acredito que a modéstia é uma atitude dos medíocres, daqueles que estão contentes consigo mesmos e com o mundo.”
Darcy Ribeiro
Confira a trajetória
26/11/1922 - Nasce em Montes Claros (MG) Darcy Ribeiro, filho do industrial Reginaldo Ribeiro e da professora Josefina Augusta da Silveira Ribeiro, a Mestra Fininha
1939 - Muda-se para Belo Horizonte e ingressa na faculdade de Medicina.
1942 - Abandona o curso de Medicina. Muda-se para São Paulo e passa a cursar Ciências Sociais na USP. Forma-se em 1946.
1947 - Começa a trabalhar como etnólogo no Serviço de Proteção ao Índio (SPI).
1950 - Publica sua primeira obra, Religião Mitológica Kadiwéu.
1955 - É convidado por Juscelino Kubtschek a ajudar na elaboração das diretrizes para o setor educacional do novo governo.
1959 - Ao lado de outros integrantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, é incumbido por JK de planejar a Universidade de Brasília (UNB).
1961 - Darcy Ribeiro é nomeado primeiro reitor da UNB.
1962 - Assume o Ministério da Educação e Cultura do governo parlamentarista de João Goulart.
1963 - Assume a chefia do Gabinete Civil da Presidência da República, com o retorno do regime da presidência.
1964 - Exila-se no Uruguai em abril, logo após o Golpe Militar de 31 de março. Tem seus direitos políticos cassados pelo AI-1. É demitido da UNB e do SPI.
1968 - Retorna ao Brasil em outubro. É preso e indiciado em processo por infração à Lei de Segurança Nacional. É julgado e absolvido, em setembro de 69.
1970 - Vai ao Chile, convidado por Salvador Allende a assessorar o governo socialista.
1974 - Volta ao Brasil. É operado para extirpar um câncer pulmonar. Perde um dos pulmões.
1978 - Retorna definitivamente ao Brasil.
1980 - Ao lado de Leonel Brizola, funda o PDT (Partido Democrático Brasileiro).
1982 - Elege-se, em novembro, vice-governador do Rio de Janeiro na chapa de Brizola (PDT). Publica A Utopia Selvagem.
1983 - Assume, em março, a Secretaria Extraordinária de Ciência e Cultura do Rio de Janeiro. Inauguraria, em sua gestão, o Sambódromo.
1985 - Lança, em dezembro, Aos Trancos e Barrancos: Como o Brasil Deu no Que Deu.
1986 - Em novembro, é derrotado por Wellington Moreira Franco (PMDB) na eleição ao governo do Rio.
1987 - Assume, em fevereiro, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de Minas Gerais, no governo Newton Cardoso.
1990 - Elege-se senador pelo PDT do Rio.
1991 - Licencia-se do Senado e assume, em setembro, Secretaria Extraordinária de Programas Especiais do Estado do Rio de Janeiro, no governo Brizola.
1992 - É eleito para a Academia Brasileira de Letras.
1994 - Candidata-se a vice de Leonel Brizola (PDT) na eleição de outubro e perde.
17/2/1997 - Morre em Brasília, vítima de câncer generalizado.
Hoje em Dia (MG) 15/2/2007