Marcia Erthal
Depois da antologia O Tempo Além do Tempo, publicada ano passado, Ivan Junqueira chega ao mercado com mais um título saboroso para quem aprecia poemas que falam do cotidiano. O Outro Lado (Editora Record. 112 páginas; R$ 30) reúne 35 poemas escritos de 1998 a 2006. A orelha leva a assinatura do também imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), Eduardo Portella, que soube traduzir com maestria a essência deste livro.
Foi Portella, aliás, quem recebeu solenemente o lvan Junqueira quando este entrou para a ABL, sucedendo a João Cabral de MeIo Neto, em julho de 2000. Sua trajetória na Casa de Machado de Assis tem sido marcante, uma vez que já em 2001 assumiu o cargo de tesoureiro, depois secretário-geral (2002/2003) e de presidente em 2004/2005.
Ao falar de como surge a inspiração, Ivan Junqueira é enfático:•”O que se chama inspiração poética é algo bem mais complexo do que se supõe e não pode se confundir com nenhuma espécie de transe mediúnico. É, antes, um estado de ânimo, de espírito, de alma, que pode ser duradouro ou não. Há poetas que permanecem quase o tempo todo nesse estado, mas outros, não.”
Sobre o processo de criação, o autor de O Outro Lado afirma que há poemas que resultam de anotações que vão sendo feitas ao longo do tempo, ao passo que outros nascem quase prontos. "Não existe nenhuma regra para isso. Tudo depende muito de cada poeta, ou de determinados períodos na vida de um poeta, que pode compor prodigiosamente durante algum tempo e depois mergulhar no silêncio. No silêncio verbal, é bom que se lembre, pois o silêncio pode constituir também uma fonte de criação, de abastecimentos e preparação para futuros textos."
“O título deste livro surgiu do poema de mesmo •nome, que expressa de tal modo o pensamento, por assim dizer, comum a quase todos os outros poemas da coletânea, que se tornou imperioso dar-lhe esse mesmo título. Isso também aconteceu com outros volumes de poesia que já publiquei como Os Mortos (1964), A Rainha Arcaica (1980), O Grifo (1987) e A Sagração dos Ossos (1994)”, explica.
Afirmando não ter nenhum livro em andamento, ("apenas alguns poucos poemas esparsos que escrevi no final de 2007”), Ivan Junqueira concorda em parte que o período em que esteve à frente da presidência da Academia o deixou um pouco distante de seu ofício de toda a vida.
"De certa forma, minha produção literária ficou comprometida, mas não tanto quanto se poderia imaginar, pois dois anos depois de deixar a presidência da Casa tive publicados dois volumes de poemas: O Tempo Além do Tempo (em Portugal) e O Outro Lado. E tenho ainda no prelo um novo livro de ensaios, Cinzas do Espólio, que escrevi durante a época em que fui presidente e que deverá sair no ano que vem, sob o selo da Editora Record.”
Questionado sobre a imortalidade - O Outro Lado traz um poema com este título dedicado a Lêdo Ivo - o acadêmico diz que Imortalidade "não é exatamente uma reflexão sobre a instituição a que pertenço, embora algumas estrofes possam ser entendidas nesse sentido.”
“É, antes, um poema sobre a própria questão da imortalidade, na qual, devo logo dizer, não acredito. A obra literária é que pode, em certos casos, ser imortal. A de Machado de Assis, cujo centenário de morte agora se comemora, está aí para prová-la. Mas até quando o será? Não acho nada sobre o fato de ser um imortal, mesmo porquê não o sou. Sou apenas um acadêmico que só começou a ter a aspiração de sê-lo com a morte de Antônio Houaiss, meu amigo da vida inteira, em 1999. Um ano depois fui eleito na vaga de João Cabral de Melo Neto, poeta como eu."
Finalmente, sobre a recusa da ABL em aceitar a candidatura de Mario Quintana, Junqueira fala: "Desconheço as razões que levaram a Academia a recusar as três candidaturas de Mario Quintana, pois ainda não pertencia à instituição. Se nela já estivesse, teria votado nele.”
Jornal do Commercio (RJ) 25/1/2008
24/01/2008 - Atualizada em 24/01/2008