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Sabedoria em voz e verso

 

Ivan Junqueira, autor de O outro lado (Prêmio Jabuti 2008), realiza procura poética pelo sentido das coisas.

Deus disse a Salomão: “Pede-me o que quiseres”. E Salomão pediu apenas uma coisa: sabedoria. Assim ele reinou sobre Israel, e vinham povos de todos os lugares para ouvir-lhe a sabedoria.

A poesia de Ivan Junqueira reflete a eterna busca por um pleno conhecimento das coisas. De certo modo, o poeta carioca, nascido em 1934, pertence à família espiritual do Rei Salomão. Premiado com o Jabuti em 2008, o livro de poemas O outro lado serve como um testamento literário, o balanço de uma procura pelo sentido do ser empreendida ao longo dos últimos 50 anos.

Desde o livro de estréia, Os mortos, a voz de Ivan Junqueira reflete as vozes de outros autores que fazem e fizeram semelhante percurso ontológico. “O que escrevi foi sempre o mesmo / poema, e os mesmos são os dedos / que nele enrolam o novelo / dos muitos eus em destempero / que ali convivem e se odeiam / à sombra de um só parentesco.”

Ocupante, desde março de 2000, da cadeira número 37 da Academia Brasileira de Letras, Ivan é um “poeta de poetas”, que criou dicção e estilo próprios a partir da confluência de mestres literários como Eliot, Leopardi, Verlaine, Baudelaire e Manuel Bandeira. Ensaísta e tradutor – é dele a brilhante versão em português dos Quatro Quartetos, de T. S. Eliot –, Ivan Junqueira realiza o ambicioso projeto de unir vida e linguagem sob o mesmo princípio.

Nas obras de Ivan Junqueira, destacam-se a procura de um sentido para a existência humana; o embate corajoso com a face da morte; e a prevalência da musicalidade através de rimas toantes. É um autor que, cônscio dos limites humanos, procura, incansavelmente, a transformação da poesia em sabedoria – e do verso em Verbo. “Eu sou apenas um poeta / a quem Deus deu voz e verso.”

UMA POESIA DE GRANDES TEMAS

No prefácio dos Melhores poemas de Ivan Junqueira (Global, 256 páginas), o professor e crítico Ricardo Thomé classifica a poesia do autor como “ôntica” – ligada, portanto, aos grandes temas como a morte, o amor, a arte, a eternidade e o absoluto. Em entrevista por telefone ao JL, Ivan Junqueira falou sobre suas preferências literárias e filosóficas. Para o autor carioca, o “centro gravitacional” de sua obra é A sagração dos ossos, publicado em 1994, no qual ele acredita ter atingido a plena maturidade poética.

“Tudo que fazemos é repensar o velho”

JL: De que maneira o trabalho de tradutor influenciou a sua poesia?

Ivan Junqueira: O tradutor Ivan Junqueira vem depois do poeta Ivan Junqueira. Eu estréio como poeta em 1964 com o livro Os mortos. Só fui me interessar por tradução três anos depois, quando eu me aprofundei um pouco mais na leitura da poesia de Eliot. O impacto tão grande – “Esse homem está dizendo tudo que eu gostaria de dizer!” – que resolvi fazer uma tradução absolutamente doméstica, para mim mesmo, dos Quatro Quartetos, que acabou sendo lançada pela Civilização Brasileira. Eliot foi um poeta que me impressionou muito – tanto quanto Baudelaire e Leopardi. Evidentemente que na minha poesia há marcas metabolizadas dessa influência. Defendo, assim como Manuel Bandeira, a tese de que quanto mais “nutrido” for o poeta, melhor para ele. De maneira que às vezes você não encontra propriamente influências, mas confluências. Se você me perguntar por quem eu fui influenciado, eu diria: “Por todos que eu li”.

Quais são as bases filosóficas da sua poesia?

Aí eu diria outra vez: a base é dos filósofos que estudei. Talvez você não saiba, mas desde os 15 anos eu estudava muita filosofia. Quando deixei a Faculdade de Medicina, no terceiro ano, prestei vestibular para a Faculdade de Filosofia e me tornei professor-assistente de Álvaro Vieira Pinto. Aquela filosofia que comecei a ler com 15 anos está mais ou menos na minha cabeça até hoje – muito particularmente os pré-socráticos. Eu me tornei um verdadeiro maníaco pela filosofia pré-socrática. Tinha muito a ver com uma tentativa de compreensão da natureza, tanto que os primeiros pensadores pré-socráticos eram chamados de fisiologistas. Para mim, os mais marcantes foram Heráclito de Éfeso, os sofistas (sobretudo Górgia e Anaxágoras) e também os pitagóricos. Estes desenvolveram uma forma de interpretação da música pela matemática que me apraz muito, no sentido de que a poesia é também pauta musical.

O mito do novo assombra a literatura contemporânea?

A busca do novo pelo novo não leva a absolutamente nada. O mito do novo não assombra o verdadeiro escritor. Este sabe que tudo já foi feito – e o que nós estamos fazendo agora é apenas repensar o velho. As pessoas são muito arrogantes ao pensar que estavam fazendo algo novo. Tudo já feito. Mas a gente tem que acreditar que não foi...

O sr. tem uma nítida preferência pela rima toante. Fale sobre isso.

Realmente, acho que a rima toante tem uma musicalidade muita mais intensa, muita mais subentendida do que a rima cheia. Prefiro rimar sons em vez de rimar segmentos vocálicos.

Eliot dizia que o verso livre não existe. O sr. concorda com ele?

O verdadeiro verso nunca é livre. As pessoas costumam se esquecer que o verso livre também tem as suas leis – e ninguém respeita essas leis. Pensam que qualquer linha escrita tentativamente como poesia é realmente verso; não é. A poesia rimada e metrificada tem suas leis, o verso livro também tem. Nenhum verso é suficientemente para que você o chame de verso livre.

Jornal de Londrina (PR) 26/10/2008

26/10/2008 - Atualizada em 26/10/2008