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ABL na mídia - Correio da manhã - Godofredo de Oliveira Neto: 'A juventude lê pouco, muito pouco'

 

A trama parte de em escritor em busca de histórias, de ideias, de fatos, de vida. Do outro lado do ringue da invenção, encontra-se uma mulher com a vontade de potência em ponto de ebulição. Com hora marcada, por um valor combinado, os dois estabelecem uma espécie de acordo. Nasce uma fricção entre escritor e personagem. Durante dez dias, registra-se, no convívio deles, a luta entre factualidade e verossimilhança, desejo e delírio, relato e devaneio. Há lugar para drogas, messianismo, assalto, polícia, música, sexo, espiritualidade, loucura e morte nas trocas que se estabelecem, gerando um grande livro, aliás, mais um na bibliografia de um escritor e professor da UFRJ que virou imortal da Academia Brasileira de Letras tanto por sua esgrima com o verbo quanto por seu inestimável préstimo ao ensino público. Só "O Bruxo do Contestado" (1996), a obra-prima de Godofredo - com aroma de Euclides da Cunha, mas identidade própria - já bastaria pra que ele fosse "imortalizado". Mas ele segue escrevendo, cada vez mais faminto de (re)invenção.

Aos 74 anos (46 deles vividos no Rio), Godofredo tem planos de oferecer à pós-graduação da Faculdade de Letras, no Fundão, no semestre que vem, um curso de Literatura e Cinema. Vai passar por Machado de Assis, pelo já citado Euclides de "Os Sertões", por Graciliano Ramos, por Cruz e Souza. São "amigos imaginários" que o educador mantém a seu lado há décadas, na sala de aula e no escritório onde fabula, num afeto longevo pela arte da leitura. Arte que ele transformou em profissão depois de lançar pérolas como "Pedaço de Santo" (1997), "Menino Oculto" (2005), "Grito" (2016) e "O Desenho Extraviado de Hieronymus Bosch" (2023).

O papo a seguir antecipa que ficção ele busca criar para empolgar a juventude.

De que maneira "A Ficcionista" se articula com a sua trajetória literária e o que esse livro apresenta de investigação sobre os poderes analgésicos da ficção?

Godofredo de Oliveira - O leitor/a leitora busca sempre um ato de comunicação literária. A obra de ficção pode ser lida como um pianista lê uma partitura. Se esse leitor não souber o solfejo, ele não precisa saber, a narrativa o vai empurrando para uma leitura, não necessariamente a mesma lida por todos. "A Ficcionista" vai provocar questões quanto à verdade, ao real e à ficção. O livro, acabará, pela sua arquitetura, provocando o leitor a se dar conta que a ficção não imita o real, antes compete com esse real.

Em seu processo de escrita... seja no ensaio ou na prosa literária de ficção... que componentes de pesquisa norteiam o seu olhar?

O que me dirige é a constatação de que tanto a narrativa ficcional quanto a histórica são, para quem lê, maculadas por pensamentos internos ideologizados e psicanalíticos. O/A historiador/a e o/a ficcionista lutam com vigor para a isenção do leitor/a.

Qual foi o livro que fez o senhor amar os livros? Existe algum livro do qual o senhor não se liberta nunca, por reverência e por dívida artística?

"Memórias Póstumas de Brás Cubas", "Madame Bovary" e, atualmente, "A Hora da Estrela".

Existe uma ideia de Brasil consciente para o país que transpira na sua literatura? Que brasilidade é a sua?

Sempre um Brasil consciente, mas tentando fazer de um jeito que a literatura nunca perca a sua autonomia... nunca. Por exemplo, quanto a personagens negros, tentando assim contribuir para uma nação coesa e democrática: a personagem Antônia Casamança, em "O Bruxo do Contestado"; o Lázaro, no "Amores Exilados"; o negro Tião, do romance "Marcelino" e Luigi, no meu recente "O Desenho Extraviado de Hieronymus Bosch", que vai abraçar o movimento negro na sua volta dos Estados Unidos. Eles são todos personagens que apaziguam a narrativa, têm pés no chão e lutam. É também a minha luta por um país mais justo e livre.

No seu ofício de escritor e de professor, como o senhor avalia a relação do mercado editorial brasileiro hoje com quem escreve e com quem lê?

A notícia boa é que o e-book não matou o livro em papel, como se temia. Mas a juventude lê pouco, muito pouco, e as escolas, em geral, deixaram de ter o paradidático como fundamental e obrigatório no ensino, e não apenas como um capricho. Isso é dramático. Criar ficção e ouvir ou ler ficção dos outros faz parte da vida, como se alimentar e hidratar.

Matéria na íntegra: https://www.correiodamanha.com.br/cultura/livros/2025/11/233864-a-juventude-le-pouco-muito-pouco.html

19/11/2025