Nascido em 10 de junho de 1952, no Rio de Janeiro, cidade onde vive desde a infância, Secchin consolidou uma carreira marcada pelo rigor intelectual e pelo compromisso com a literatura. Doutor em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tornou-se professor titular de Literatura Brasileira nessa mesma instituição em 1993. Sua trajetória acadêmica inclui também passagens como professor visitante por importantes universidades na França, Portugal, Itália, Venezuela, México e Estados Unidos, ampliando sua influência no cenário internacional.
Membro da Academia Brasileira de Letras desde 2004, ocupando a cadeira nº 19, na sucessão de Marcos Almir Madeira, foi recebido por Ivan Junqueira. Sua eleição à ABL representa o reconhecimento de uma vida dedicada à produção e ao estudo da literatura brasileira. Bibliófilo apaixonado, Secchin se destaca não apenas como poeta e ensaísta, mas também como cuidadoso organizador de obras fundamentais da nossa tradição literária, de autores consagrados como Cecília Meireles e Ferreira Gullar a escritores menos conhecidos, como Júlio Salusse, cuja obra ele ajudou a resgatar do esquecimento.
Autor de uma obra crítica expressiva, dedicou mais de três décadas ao estudo minucioso da poesia de João Cabral de Melo Neto, sobre quem escreveu João Cabral de Melo Neto: a poesia do menos. Este livro, que foi tema tanto de sua dissertação de mestrado quanto de sua tese de doutorado, rendeu-lhe os prêmios do Instituto Nacional do Livro e da Academia Brasileira de Letras, consolidando sua autoridade como estudioso da poesia cabralina.
Entre seus livros mais celebrados estão Todos os ventos (2002), que lhe valeu prêmios da Fundação Biblioteca Nacional, da ABL e do PEN Clube, e Escritos sobre poesia & alguma ficção (2003), obra que reúne ensaios em tom leve e provocador, mantendo sempre uma estrutura rigorosa e argumentativa. Em 2006, lançou 50 poemas escolhidos pelo autor, e publicou Desdizer (2017), que reúne poesia inédita e uma revisão definitiva de sua produção anterior.
Além de poeta reconhecido, Secchin se afirma como crítico atento à tradição e aos movimentos da literatura brasileira, tendo escrito sobre figuras como Álvares de Azevedo, Cruz e Sousa, Machado de Assis, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana e Ferreira Gullar. Sua escrita crítica é marcada por profundidade, clareza e sensibilidade estética, sendo capaz de dialogar tanto com leitores especialistas quanto com o público geral.
Antonio Carlos Secchin permanece como uma referência incontornável na cultura literária brasileira, seja por sua contribuição como poeta, ensaísta e professor, seja por seu empenho em preservar e reinterpretar a riqueza da literatura nacional.
Secchin é o nosso entrevistado de hoje da Revel.
BIOQUE MESITO Secchin, sua poesia às vezes insinua o corpo, mas com discrição, ironia e inteligência. O erotismo no poema é um jogo formal, uma inquietação interior ou um campo de tensão entre desejo e linguagem?
ANTONIO CARLOS SECCHIN O corpo fica bem explícito, tanto o humano quanto o da linguagem. Ambos se entendem, embora o primeiro já perca o vigor que o segundo insiste em ostentar.
BM A religiosidade aparece discretamente em sua obra, muitas vezes sob o véu da interrogação ou da ruptura. A fé lhe interessa como vivência espiritual ou como construção simbólica do humano?
ACS Há muito, ou desde quase sempre, não cultivo a fé como vivência espiritual, mas gosto de observá-la como fenômeno cultural, às vezes com resultados desastrosos.
BM Sua poesia reorganiza o cotidiano como se nele houvesse algo de insólito e enigmático. Você acha que o real ainda guarda brechas para o poético?
ACS Creio que o poético está em luta constante com o real. Quando o real se impõe em excesso, a poesia vai para outro lugar.
BM Em seus poemas, o tempo é tema recorrente, ora como finitude, ora como memória ou ironia da espera. Você enxerga a poesia como uma forma de prolongar o instante ou de enfrentá-lo?
ACS A finitude talvez seja um núcleo obsessivo do que escrevo. O veio trágico acentua o impasse da vida, que não tem sentido. O veio irônico desestabiliza o impasse, mas tampouco aponta soluções.
BM Como crítico e poeta, você observa o mundo com um olhar afiado, às vezes irônico, outras vezes confessional. A angústia existencial é motor ou obstáculo para a criação poética?
ACS Gosto de cultivar o confessionalismo irônico, até como antidoto à angústia.
BM Você é carioca, mas sua obra dialoga com o Brasil, com autores de várias regiões e épocas. O Rio de Janeiro ainda molda sua sensibilidade estética ou já se tornou apenas paisagem?
ACS Nenhuma paisagem em particular me motiva. Mas, habitante do Rio desde os tempos de Villegaignon, não é estranho que a cidade de vez em quando aflore, inclusive sob o signo da violência, como em “Rio 30 graus”.
BM Sua trajetória reúne reconhecimento como poeta e como acadêmico. Como você equilibra o rigor da análise crítica com a liberdade da criação poética?
ACS Tentando costurar esses discursos tidos como incompatíveis. Investindo o máximo de rigor na criação poética e concedendo a maior liberdade de criação na análise crítica.
BM Em sua poesia, forma e conteúdo nunca estão dissociados. Como é seu processo de construção formal, o verso nasce pronto ou precisa ser lapidado até alcançar o rigor que você exige?
ACS Comigo, quando o verso nasce pronto eu logo desconfio de que o parto foi prematuro. Gosto de trabalhá-lo até que ele desista de mim e cuide de repousar em paz no papel. Mas nem assim eu desisto dele. Tudo sempre pode ser dito de outra forma, e melhor.
BM Sua linguagem muitas vezes exige do leitor atenção redobrada. Há um hermetismo que desafia. Você acredita que a opacidade também pode ser uma forma de sedução poética?
ACS Suponho que o hermetismo ficou algo para trás, em meus primeiros livros, em que às vezes a busca da “imagem bela” desconsiderava o imperativo da comunicabilidade. Por outro lado, a transparência não pode implicar o desleixo com a linguagem. A síntese ideal foi formulada por Fernando Pessoa: ser raro e claro. Mas atingir isso é outra história...
BM Embora seja mais associado ao cânone clássico do que às vanguardas, há algo em sua poesia que remete à invenção realística, especialmente nos jogos de linguagem. O existencialismo deixou marcas na sua formação?
ACS Na formação, tudo me interessou, das cantigas medievais às vanguardas, mas não me considero alinhado a nenhuma seita poética. As seitas supõem deter a “verdade” da poesia, e um dos atributos da poesia é exatamente o de desmentir verdades, ou, como escolhi para título de meu mais recente livro, o atributo de Desdizer.
BM Em livros como Todos os Ventos, há uma presença forte da finitude, mas também do humor e da irreverência. Escrever para você é uma forma de desafiar a morte ou de fazer dela uma companhia civilizada?
ACS Trabalho o tema sob várias perspectivas, inclusive a insólita, de um garçom servindo-a no restaurante (em “Banquete”). Gosto de flutuar sem ponto de gravidade nessa e em outras questões, gerando inclusive poemas contraditórios entre si, na celebração de todas essas diferenças.
BM Conte-nos um fato pitoresco ou hilário que ocorreu em sua carreira literária.
ACS Na década de 1960, adolescente, meus primeiros poemas eram simbolistas, e não românticos, conforme é de hábito. Costumo dizer que tive sorte: uma vez que o Simbolismo brasileiro é de fins do século XIX, e o Romantismo, de meados desse século, posso afirmar que me iniciei com “apenas” 70 anos de atraso em relação à literatura contemporânea, e não 120, caso eu começasse como romântico.
BM Se tivesse que escrever hoje um único verso para marcar o seu tempo e dialogar com os novos leitores, qual seria a imagem que você escolheria como testamento poético?
ACS Talvez o verso final do “Soneto profético”: “Seremos bem felizes no passado”.
Matéria na íntegra: https://osintegrantesdanoite.blogspot.com/2025/06/antonio-carlos-secchin-arte-de-desdizer.html
09/06/2025