Na noite em que seria revelado quem matou Odete Roitman, uma das novelas de maior sucesso da história da televisão, o auditório estava lotado com os holofotes voltados para as mesas de Mia Couto, Itamar Vieira Junior, Míriam Leitão e outros tantos nomes de destaque da Festa Literária Internacional de Niterói, a Flin, nesta sexta-feira (17), segundo dia do evento que conta com mais de 60 atrações.
Serão quatro dias de uma programação vasta que transita bem entre vertentes da literatura, como contação de histórias, oficinas, atividades lúdicas e estandes de editoras da cidade e livrarias, distribuídos ao redor do espaço externo do complexo Reserva Cultural, em São Domingos.
O vencedor de duas edições do Prêmio Jabuti, Itamar Vieira Junior, conversou com o A Seguir logo após falar para um auditório lotado, às 18h de uma sexta-feira.
— Acabei de participar de uma mesa com um audiório repleto de pessoas, de leitores, uma audiência muito incrível. Tem muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo e eu fiquei muito feliz de ver a curadoria cuidando de tudo. Eu vejo esse formato de evento de uma maneira muito positiva, porque alia música com literatura. É uma maneira de difundir conhecimento, de fomentar a leitura. Espero que a Flin continue fazendo parte do calendário cultural da cidade — destacou Itamar.
Uma das atrações mais aguardadas, o escritor moçambicano, vencedor do Prêmio Camões e sócio-correspondente da ABL, Mia Couto, também conversou com o A Seguir. Ele disse que acompanha a expansão das feiras literárias já há um tempo, com as publicações de seus livros no Brasil.
— Começou com a Flip, mais uma ou duas feiras e agora vemos várias. Eu acho isso uma maravilha. Primeiro por conta da própria natureza da literatura, que é uma festa, uma celebração, não pode ficar restrita ao âmbito acadêmico e por outro lado, acho que a forma com que a cidade está se apropriando dos festivais literários e o que eles entregam à cidade é uma dinâmica muito feliz.
Mia também afirmou que sua relação com o Brasil ajudou a definir parte de sua identidade e diz se considerar “parte brasileiro”, porque boa parte das suas referências culturais vieram daqui.
— O que eu cantei na minha vida foram cantores brasileiros, o que eu li, o que eu imaginei foi muito inspirado num mundo que eu construí antes mesmo de visitar o Brasil. Esse país é uma descoberta infinita para mim. O Brasil tem tanta diversidade, tipo de gente, tando a dar o mundo, que se vocês me derem a dupla cidadania eu fico no Brasil.
Para assistir a algumas mesas, é necessário se programar com antecedência. As senhas começaram a ser distribuídas às 15h3o, tanto para assistir ao Itamar quanto ao Mia Couto, causando certa frustração em parte do público, que não conseguiu chegar a tempo devido ao horário de trabalho ou até mesmo buscar filho na escola, e de estudantes do período da tarde.
A professora de Português aposentada, Lucia Amaral é uma dessas pessoas que chegou ao Reserva com três horas de antecedência, na expectativa de assistir à mesa do moçambicano Mia Couto, mas não conseguiu.
— A fila era imensa. Soube que teve gente que chegou às 16h e não conseguiu senha para ver o Mia. Eu trouxe um livro para ele autografar, mas não vou ver nem ele passar. Tinha uma fila de desistência, mas a fila também estava enorme. Qualquer lugar que tem evento, normalmente se chega uma hora antes. Agora, três, quatro horas antes nunca vi disso.
Por outro lado, a professora disse achar interessante a iniciativa do evento, especialmente por incentivar as crianças a lerem desde pequenas.
— Leitura é hábito, né? É importante cultivar isso.
Professora e frequentadora assídua de clubes de leitura, Mônica Parreiras, chamou a atenção do clima do evento, de comunhão da literatura e convergência de saberes.
— Tem uma vibração, um burburinho que é uma coisa boa demais. Eu vi na Flip, em Paraty, e aqui. Eu achei as atrações bem variadas, se você não gosta de um assunto, pode procurar por outro. Tem um trânsito interessante de pessoas. Eu assisti à mesa da Míriam Leitão com a Bianca Ramoneda, que foi na Arena Flin, e toda vez que abriam a porta de vidro, a gente ouvia um barulho de pessoas lá fora, o que é o lado legal. Tem muita gente. E gente jovem, mais velha, crianças, estudantes, de todas as idades.
Mônica assistiu a três mesas e diz que conseguiu absorver muito conteúdo. Em “Viver poesia”, pode adentrar nos estilos e épocas da poesia, novas linguagens. Também participou da mesa sobre a Revista Brasileira da Academia Brasileira de Letras (ABL) com os imortais Rosiska Darcy de Oliveira, Geraldo Carneiro e Antônio Torres.
— Foi muito bom saber da existência dessa revista. A gente pode manipular, o que achei bem legal. Comigo ela ficou um tempo maior, li uma poesia do Paulo Henriques Britto. Depois, assisti a mesa da Míriam Leitão, que falou do processo de criação de leitura, que é trabalhoso e demorado e a gente precisa se dar esse tempo. Ela disse uma coisa que eu não vou esquecer tão cedo. Disse que quando seu pai estava doente, ela costumava ler sempre para ele Castro Alves e ele declamava.
Nesse sábado, Mônica planeja ir de novo e já está com a agenda montada: planeja ver a Mona Vilardo, pesquisadora e cantora de rádio, e a jornalista Flávia Oliveira.
Com uma agenda que conta com uma seleção dos grandes nomes da literatura brasileira – de cânones à nova geração de escritores – as filas eram imensas para praticamente todas as mesas.
Em cinco espaços: Sala Nelson Pereira dos Santos, Palco Darcy Ribeiro (o homenageado do evento), Arena Flin, Palco Povo Brasileiro e Espaço Nikitinhos, dedicado à programação infantil, podia se observar um público bem vasto, formado por pessoas de faixas etárias diversas.
Também havia uma praça de alimentação, além dos restaurantes já oferecidos pelo Reserva que funcionaram normalmente e estandes de livros que concentravam mais em editores de Niterói e livraria independentes. Não havia um grande espaço de ponta de venda de livro, de forma concentrada, o que acabou se tornando um ponto de atenção de parte do público.
— Eu acho que com a tecnologia de hoje, eles podiam ter usado uma plataforma de retirada de ingressos online, até para evitar o desgaste de pessoas idosas que ficam na fila. A dinâmica que eles fizeram de horário torna o evento que devia ser prazeroso, cansativo. Porque eu que quero ver o Mia Couto teria que ter chegado aqui às 16h e ele só ia falar às 20h. Isso impossibilita muitas pessoas que trabalham de assistir ao Mia — afirmou a advogada Marianna Torres, 26 anos.
Outro ponto muito criticado foi a falta de distribuição de livros pelo evento, com pouca variedade de estilos literários e poucas editoras.
— É uma feira literária, era para esse evento estar inundado de livros. A maioria é livros de autores que estão participando da feira. Na Feira de Maricá, eles armaram uma tenda com livros dos mais diversos estilos, afros, religiosos, ficções, poesias. Isso faz falta. Acho que merecia também uma área só com livros infantis. Acho que tinha que ter várias casinhas com livros ou um mesão com vários livros.
Por outro lado, a advogada disse que foi um acerto os eventos que aconteceram na Arena, pois eram mais democráticos e menos formal. As pessoas estavam em uma roda e as palestrantes tinham liberdade de se movimentavar na cadeira, estilo Roda Viva.
— Isso possibilitava uma interação maior entre o público e os autores. Elas olhavam para a gente, riam, o contato era mais direto. E a mesa da Míriam foi bem legal. Ela trouxe questionamentos interessantes. Sem contar que foi sem retirada de ingresso, o que facilita o acesso, tornando tudo menos limitado.
A estudante de Engenharia Ambiental da UFF, Maria Eduarda Hotz, 18 anos, falou que nunca tinha ido a nenhuma palestra do Mia Couto e saiu muito satisfeita. Muita fã de sua literatura, ela disse que foi interessante poder ver um autor que admira, o seu lado biólogo e suas preocupações socio-ambientais.
— Mesmo falando de um assunto sério, ele conseguiu arrancar risadas da plateia. Ele misturou poesia e prosa.
Destaques
Sábado, 18
Neste sábado (18), Edney Silvestre comanda a mesa “Da vida à escrita“, às 15h30 Thalita Rebouças falará sobre criatividade. Às 18h, Raphael Montes participa da mesa “Como conectar leitores”, às 18h.
Domingo, 19
No domingo (19), outras presenças de renome compõem a programação: O ator e dramaturgo Miguel Falabella abordará a relação do artista com o palco, às 14h30
Às 16h30, o sambista e intelectual Nei Lopes, que se junta a Ana Maria Gonçalves, escritora do premiado “Um defeito de Cor” na mesa “O Brasil que queremos”.
Matéria na íntegra: https://aseguirniteroi.com.br/noticias/mia-couto-e-itamar-vieira-junior-arrastam-multidao-em-noite-de-celebracao-da-literatura/
22/10/2025